quinta-feira, 10 de maio de 2012

Do “3” ao “21”

A Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República organizou no dia 9 de Maio uma audição parlamentar sobre a Educação Especial. O grupo de deputados do Grupo de Trabalho de Educação Especial é coordenado pela deputada Margarida Almeida e integra também os deputados Rita Rato, Inês Teotónio Pereira, Ana Drago, Maria Manuela Tender e Jacinto Serrão. Esteve ainda presente o Presidente da Comissão, deputado José Ribeiro e Castro. 

Não cabe neste espaço – pela sua vocação e exiguidade – comentar a abundante matéria de reflexão que se pode extrair de momentos tão ricos. Comentarei por isso só um “pequeno” tema que sempre vem ao de cima nestas discussões. Trata-se da possibilidade dos alunos poderem ser escolarizados em escolas especiais e não em escolas regulares. Chamaria a este debate o “3” (decreto 3/2008) e o “21” (despacho 21/2008*) e enunciaria 5 linhas orientadoras da discussão: 
1. Quando falamos em Educação Inclusiva, não gostamos de ser chamados “românticos” ou  “irrealistas”. Gostaríamos que todos soubessem que as posições que defendemos favoráveis à Inclusão Educativa são sufragadas pela Investigação (exemplo: “What Really Works in Special and Inclusive Education, Routledge, 2011) e pelos documentos internacionais que Portugal é signatário (ref: Documentos da UNESCO e nas Nações Unidas). Este debate entre “realistas” e “românticos” está, pois viciado: talvez seja sim um debate entre quem conhece a investigação e o enquadramento legal e quem não conhece. 
2. Sempre se disse que a reforma inclusiva pressupõe a reforma da escola tal como a conhecemos. Reforma no sentido de modificar as formas transmissivas, uniformes e indiferenciadas como os alunos são tratados na escola “tradicional”. Na mencionada Audição, um professor dizia que não conseguia ensinar Inglês aos alunos mais fracos nas turmas regulares mas que os conseguia ensinar em turmas de alunos com dificuldades. Isto não constitui um argumento contra a Inclusão porque falta saber o que é que ele faz numa e noutra situação e saber se o conhecimento pedagógico que ele tem é transferível de uma situação para a outra. 3. Quando se pedem recursos para a escola, tem que se ter em mente que estes recursos são para contribuir para a inclusão. Se os recursos que chegam à escola se destinam a criar uma escola especial numa escola regular, são recursos é certo, mas não são recursos que sejam usados de forma inclusiva. Assim, temos de saber que os professores especializados, os terapeutas, os psicólogos, etc. etc. devem ter como objetivo central do seu trabalho ensinar e desenvolver capacidades num contexto inclusivo. Se não fizermos isso a inclusão torna-se sim um “romantismo”. 
4. E vem sempre a questão: “Todos (mas mesmo todos) os alunos devem estar incluídos?”. E eu diria: “Não, mas…”. Explico: A Inclusão pressupõe que a escolarização das crianças deve ser feita em ambientes “ecologicamente válidos” isto é que sejam representativos da diversidade da sociedade e da comunidade em que os alunos vivem. Há sim crianças que pela gravidade das suas condições de saúde e pela ausência (reparem: ausência) de capacidades de aprendizagem escolar não têm vantagem em estar em escolas regulares. Falamos de um número extremamente reduzido que necessita mais de cuidados de saúde do que de educação. Mas não esqueçamos: a escolarização é da responsabilidade da escola e um critério de qualidade da escola é o facto de ela ser diversa e na qual as diferenças entre os alunos sejam usadas para a melhoria da aprendizagem e da ética de todos. 
5. E por fim… evocar o despacho 21/2008* para sancionar que os alunos (todos?) com dificuldades possam (na verdade, devam, por falta de opção) ir para uma escola especial é um absurdo. Sabemos que a exclusão da escola regular – por muito benigna que se apresente – é uma medida de consequências muito graves. A investigação em Educação mostra que dos alunos que são separados, só 3% têm possibilidade de voltar ao grupo (três por cento). O sonho é que os “bons” não sejam atrasados pelos “maus”. Na verdade é um objetivo social bem curioso. É o princípio que leva as pessoas a pensar que as crianças, os idosos, os emigrantes, as pessoas com deficiência, nos atrasam… 
A verdadeira opção não é pois entre a escola regular e a escola especial: a opção é entre a escola regular que sonha com a homogeneidade e sem recursos e a escola regular que conhece a heterogeneidade e tem recursos. E não nos falem de romantismos… deixem lá isso para o Almeida Garrett… 
David Rodrigues 
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial 
In: Editorial da newsletter de maio de 2012 (1ª Quinzena)


*- Penso que o autor se refere à Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, que introduz alterações, por apreciação parlamentar, ao Decreto-lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, permitindo o encaminhamento de alunos para as instituições de educação especial (art. 4º-A).

Sem comentários: