terça-feira, 25 de novembro de 2014

Educação: É essencial fundamentar em vez de enunciar “novos paradigmas”

Sempre que leio ou ouço falar em “novo paradigma” e “Educação” na mesma frase sofro uma terrível ataque de urticária. Então quando a esse “novo paradigma” vem associada uma nova teorização sobre gerir as escolas a partir de modelos que lhes são exteriores fico com uma necessidade fenomenal de ansiolíticos e anti-histamínicos.

Porque eu já passei por imensos momentos em que novos paradigmas foram anunciados, enunciados e mesmo legislados. Raramente dei com as suas vantagens e nunca vislumbrei a sua avaliação, de modo a justificar a sua substituição.

E quase sempre apareceram justificados com a “falência” dos modelos ou paradigmas anteriores. A situação mais recente foi a de José Matos Alves em texto recente, aqui no PÚBLICO.

O meu problema coloca-se a diversos níveis. No plano conceptual, é para mim estranho que se tenha de “paradigma” uma noção tão simplista e mecânica, como se fosse uma peça que se muda num carro que está a ter problemas em arrancar. Um “paradigma” é uma teia complexa de fenómenos e relações que não se decreta de um dia para o outro, que não surge numa segunda-feira, na sequência de um decreto, de um despacho, de uma experiência diferente da norma tida como dominante. Muito menos de estados d’alma ou de convicções particulares de um determinado grupo de especialistas ou interessados nas mudanças que se apresentam como o indispensável “novo paradigma”.

No plano mais concreto, é muito raro que esses “novos paradigmas” apresentem uma fundamentação que os justifique para além de profissões de fé, baseadas em experiências episódicas e desenvolvidas em ambientes muito controlados e favoráveis ao seu sucesso. Na generalidade dos casos, a demonstração empírica das vantagens não corre qualquer risco com base nos exemplos escolhidos para as testar. É natural essa tendência para provar a sua própria profecia, mas não é a melhor maneira de provar algo que se pretende apresentar como “novo paradigma” a aplicar a todos os casos.

Mas concentremo-nos no processo presente de pressão em torno da implementação de mecanismos municipais de controle da gestão das organizações escolares, seja através da criação de escolas municipais (públicas) em concorrência com a rede pública tradicional, seja com a deslocação de níveis de decisão em matérias sensíveis das escolas (e da tutela) para as autarquias.

Este processo não pode ser apresentado ou enunciado como naturalmente bom apenas porque sim, porque descentralizar é bom e porque “aproximar” a gestão das escolas das comunidades é bom, sem que exista a demonstração clara dessa bondade, seja através da exposição de casos concretos de sucesso de experiências equivalentes em outras paragens, equivalentes à situação do nosso país, seja através da demonstração comparativa dessa bondade em relação ao modelo actualmente existente.

José Matias Alves declara no seu texto que irá basear o seu primeiro ponto “na demonstração da falência deste modelo” do modelo único de gestão das escolas públicas. Mas não o faz para além de considerações vagas, não sendo rigoroso na demonstração dos aspectos da anunciada falência. O que faliu? Foram os resultados dos alunos? Há que o demonstrar. Foi o papel social da escola? Há que o demonstrar. Foi a qualidade da prestação do serviço público de Educação numa sua visão mais vasta? Há que o demonstrar. O que José Matias Alves não faz, apenas alinhando os já muito repetidos argumentos de que um sistema centralizado e uniforme não é o melhor dos mundos. Com isso eu concordo e muito tenho protestado com o modelo único de gestão unipessoal dos mega-agrupamentos, porque conduziram a centralismos locais e a um crescente distanciamento do centro das decisões em relação a alunos, funcionários e professores.

Mas não chega dizer que está mal. Também acho que os contratos de autonomia são uma ficção. Mas há que explicar, no concreto, porquê e que alternativas se podem apresentar. Preferencialmente a partir das próprias escolas e não como imposições externas.

Eu discordo que a municipalização – por eventuais excelentes experiências singulares que se possam apresentar – seja a melhor solução e não acho que essa opção “aproxime” seja o que for, muito pelo contrário, pois esvazia cada vez mais as competências internas das organizações escolares.

Mesmo discordando da designação, considero que não existe nenhum “novo paradigma” que melhore seja o que for no funcionamento e quotidiano das escolas que não parta do interior da própria comunidade educativa e que não passe por um maior envolvimento activo de pais e encarregados de educação na resolução dos problemas das escolas e não na sua multiplicação. Por “envolvimento activo” não se entenda uma barragem de queixas e acusações, de contestações de classificações ou de entradas a bater em quem lhes comunique as malfeitorias dos educandos ou outras faltas de civismo.

Não há paradigma de gestão que supere a colaboração, sem desconfianças espúrias, entre aqueles que estão dentro das escolas e querem que elas funcionem da melhor maneira. Não é nenhum gestor, vereador, presidente de câmara ou junta que trará qualquer especial valor acrescentado para a superação de falhas ou insuficiências de um modelo que não faliu, como querem alguns fazer crer, mas apenas se foi tornando menos flexível nas soluções internas e cada vez mais permeável aos humores externos.

Um novo paradigma em Educação, no que à gestão das escolas diz respeito, só será possível através de uma revitalização dos mecanismos de cooperação e partilha de responsabilidades dos actores que estão dentro da escola (e nesse particular incluo naturalmente as famílias dos alunos) e não através da imposição de soluções externas, por muito bem pensantes e conceptualizadas que se apresentem.

A municipalização é apenas a nova moda destinada a limitar uma verdadeira autonomia das organizações escolares, colocando-lhes uma nova arreata de que só alguns políticos e especialistas sentem falta.

Paulo Guinote

Fonte: Público

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