segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Por um job, pelo futuro

2014 foi o ano em que Diana Leite lançou os dados da sua vida: professora desempregada há mais de um ano, voou para Londres no dia 14 de novembro. No bolso, três mil euros (ou seja, o suficiente para viver cerca de três meses) e a esperança de encontrar emprego como professora de educação especial. “Não valia a pena continuar em Portugal, sempre a bater na mesma tecla, à espera de migalhas. Decidi tentar cá fora”, sintetiza (...).

Para se voltar ao momento em que Diana percebeu que o seu futuro não passaria por Portugal temos de recuar alguns anos. Natural da Maia, nos arredores do Porto, acabou o curso universitário em 2006. Tinha 26 anos, uma média de 14 valores e a certeza de que queria passar o resto da sua vida profissional a dar aulas. “Não conseguia arranjar trabalho e foi por isso que em 2007 decidi fazer uma pós-graduação em educação especial. Terminei em 2009, mas, nesse intervalo, trabalhei em part-time como professora de expressão musical em AEC [Atividades de Enriquecimento Curricular] ”.

Aos 29 anos, Diana Leite consegue finalmente colocação como professora de educação especial numa escola de Loulé. “Estive sempre a trabalhar com contratos anuais, entre 2009 e agosto de 2013”. Foram quatro anos, sempre na mesma escola, sempre no ensino especial e sempre a contrato. Apesar de a situação profissional não lhe permitir perspetivar o futuro por períodos superiores a um ano, Diana instalou-se. Alugou casa. “Recebia à volta de mil euros líquidos, pagava 400 de casa, tinha o meu carro… Ia a casa uma vez por mês, para não gastar muito, e, desde que não me esticasse nos gastos, dava para viver”, recorda.

Daria para viver a prazo. Porque se na altura se pusesse a congeminar sobre o futuro, Diana teria já então concluído aquilo que se lhe afigurou claro como água quando, a 31 de agosto de 2013, não lhe renovaram o contrato. “Não tinha a mínima hipótese de me vincular a uma escola. Via professores com seis e oito anos de serviço a conseguirem vagas de um mês e depois a terem de esperar mais dois ou três meses por um novo contrato de um mês." Portanto, a alternativa era entre aceitar ter uma vida errante e precária ou conseguir uma vaga no ensino privado em condições também muito precárias ou em estágios do IEFP, "e a ganhar muito pouco”.

Mês de praia e bolas de Berlim para muitos portugueses, agosto foi um mês em que Diana Leite decidiu dar uma segunda oportunidade ao país. “Na altura decidi ficar até dezembro, para ver se conseguia ou não emprego”. Preocupava-a já então a ideia de uma velhice sem direito a reforma. “Estava com 34 anos. Se não começasse a descontar, seria um futuro negro, nunca mais teria tempo de garantir uma reforma”. 

Findo dezembro, Diana começou a vasculhar as redes sociais em busca de dicas sobre emigração “segura”. “Inscrevi-me em dois grupos do Facebook, Professores de Português no Reino Unido e o Como Dar Aulas em Inglaterra, o que me ajudou imenso em termos de papelada e quanto ao que era preciso trazer”. 

Foram vários meses a tratar do registo criminal, do cartão europeu de saúde e do Qualified Teacher Status — o documento que a habilita a dar aulas no Reino Unido. “Pedi para continuar a receber o subsídio de desemprego cá, mas essa parte está a revelar-se mais difícil”. Tudo reunido, Diana Leite mora agora na Forest Hill, 37, zona de imigração, sobretudo de africanos, marroquinos e indianos, mas também de alguns portugueses. “A irmã de uma colega minha de Loulé vive cá com a filha e, como tinha um quarto vago, aluguei-lho por 400 libras”.

Nas deslocações por Londres, entre inscrições nos centros de emprego para os job match, registos nas agências de recrutamento de professores e entrevistas de emprego, Diana espantou-se com a quantidade de crianças na rua. “Há uma diferença abismal em relação a Portugal, onde o envelhecimento se nota nas ruas. Aqui, quando vou no autocarro, há sempre mães com duas, três, quatro crianças”.

Outro pormenor que a surpreendeu foi a obrigatoriedade de se vestir a rigor para as entrevistas de emprego. “Não podemos ir a uma entrevista ou registarmo-nos numa agência de emprego com calças de ganga ou sapatilhas. Temos de ir de fato ou levar uma saia, camisa e blazer, com sapatos ou botas”.

Não fossem as dicas colhidas antes via Facebook, poderia ter-se visto obrigada a despesas extra para garantir a indumentária necessária. “Vim preparada com esse tipo de roupa”, conta a rir. O que Diana não conseguiu ainda é agilidade suficiente no inglês para não perder o fio dos telejornais. “Nas news falam muito depressa, não os consigo acompanhar, é estranho; mas, lendo as notícias, não tenho dificuldades”. 

Durante os 30 minutos de Skype (...), Diana Leite reconstitui com clareza o dia 14 de novembro de 2014. Fomos às sete horas da manhã para o aeroporto, os meus pais foram comigo e um casal de amigos da universidade também lá foi sem eu estar a contar, foi espetacular. Mas acho que na altura não estava a sentir o peso do que estava a fazer. Só me ‘caiu a ficha’ depois do check-in, quando entrei mesmo no avião. Fiquei a chorar e a minha mãe, que não é de deitar lágrimas, também estava com os olhos rasos de água. É difícil”. Era isso ou nada.

O ano de 2014 foi assim aquele em que Diana cortou os laços. “Fiquei sem os meus pais, o meu sobrinho de três anos que eu adoro, sem emprego, sem o namorado que foi para a Dinamarca…” Tudo em nome de uma promessa de futuro. “Acredito que, se lutar, as coisas acontecem. É difícil, mais agora no Natal, porque, como não sabia se por esta altura já teria emprego ou não, não arrisquei comprar uma viagem para Portugal”.

O ano de 2015 será aquele em que o futuro se decidirá. “Acho que já podia estar a trabalhar num berçário mas, com a poupança que tenho, decidi esperar um bocadinho mais para ver se consigo trabalhar como professora de educação especial, onde terei mais possibilidades de avançar na carreira”. Se os dados jogarem a seu favor, apesar do frio em Londres e das saudades da comida e do sol português, o regresso será, “em princípio, só para férias, porque os reformados em Portugal só têm cortes e mais cortes e nenhumas regalias”.

Fonte: Especial 2014 no Público

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