sexta-feira, 3 de abril de 2015

A escola chama a polícia e os cães

O dono da casa pode permitir a polícia de efetuar buscas na sua residência e revistas na sua pessoa, sem qualquer mandado da autoridade judiciária. Não pode permitir que a polícia reviste as visitas de sua casa. Do seu domicílio e pessoa cuida como lhe apraz. Da privacidade das visitas, não cuida. Nem dispõe. A privacidade tem sede constitucional. Só em circunstâncias restritas e definidas na lei pode ser beliscada. O Código de Processo Penal, que dá corpo aos princípios gerais da Constituição da República, é muito rigoroso em matéria de buscas domiciliárias e revistas pessoais. Também muito claro. Estão em causa bens eminentemente pessoais. O respeito por tais direitos da pessoa é emblemático de um Estado de Direito.

O Ministério da Educação e a diretora do agrupamento de escolas do Monte da Lua em Sintra, podem convocar a polícia e os cães para as buscas que entendem nas instalações dos estabelecimentos de ensino que dirigem e gerem. Não podem convocar as forças policiais para revistarem os jovens alunos. Sem mandado da autoridade judiciária. A privacidade de cada um deles não está ao dispor do ministério, nem da diretora. Sem sua autorização, ou dos pais para os ainda menores, as revistas caíram inabalavelmente no domínio da ilegalidade e abuso da força.

É muito mais fácil resolver as questões difíceis com recurso à força. Como pensaram os responsáveis. O autoritarismo ganha calo na alma do poder. Respeitar as regras de uma comunidade democrática dá muito mais trabalho. Certo que a polícia “pediu” aos jovens estudantes que se mantivessem quietos, mãos em cima da mesa, abertura das respetivas mochilas farejadas pelos cães. A polícia “pediu”!!!. Os jovens indisciplinados obedeceram! A polícia e autoridades escolares rejubilaram. A ação foi notável. Apreensão de uma quantidade de estupefacientes digna de traficantes de respeito. 20 doses de haxixe. Só uma ação daquelas conseguiria tais resultados. Um sucesso. Foi uma ação de “sensibilização e prevenção para a problemática do consumo de estupefacientes.”. Buscas e revistas com designação original, ações de “sensibilização e prevenção”! Ficou-se inteirado de que a “Escola Segura” para prevenir o consumo de estupefacientes pelos jovens, não tem mais nada a oferecer aos alunos do que chamar a polícia e os cães às salas de aula. Os adolescentes da Escola de Sintra estão esclarecidos. Sabem que o Ministério da Educação e a direção da escola têm ao dispor meios eficazes de prevenir o consumo e tráfico de estupefacientes. A comunidade também. Um pelotão de polícias e uma matilha de cães farejadores. Com essa eficácia tem-se reduzido substancialmente tal consumo.

Gerir escolas, orientar e apontar caminhos a alunos numa sociedade cheia de contradições é tarefa bem difícil. Carências de toda a ordem e natureza. No geral, pais e educadores não esperam que os responsáveis das escolas chamem a polícia às salas de aula para revistar os jovens. Resolver problemas internos da escola. Nem eles, nem a comunidade.

As medidas de polícia, obrigadas a respeitar os direitos individuais, exigem adequação e proporcionalidade às circunstâncias concretas. A sua eficácia não sela definitivamente a respetiva validade. Requer sujeição a princípios e regras.

Os acontecimentos foram relatados num ou outro jornal. O deputado Luís Fazenda interpelou o Ministério da Educação sobre o assunto. Como uso, terá resposta daqui a meses ou anos. Sem resposta nenhuma. A ver se a coisa passa. Prosseguem as acções de “sensibilização e prevenção”. Com polícias e cães. Ideias com teias de aranha! À portuguesa.

Alberto Pinto Nogueira

Procurador-geral adjunto

Fonte: Público

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