domingo, 28 de junho de 2015

“Em regra, numa família tranquila não há filhos irrequietos!”

Nesta época do ano algumas famílias respiram de alívio. São as famílias com filhos considerados hiperativos. Pelo menos durante algum tempo – o tempo das férias grandes que já foram bem maiores – descansam dos recados, dos avisos e das reuniões na escola que quase invariavelmente vão dar ao que parece óbvio a todos: há que fazer alguma coisa para acalmar aquela criança.

"Há professores que se esforçam até ao limite dos limites para conseguirem uma inserção do desviante seja de que tipo for, o sítio onde ele fica sentado, a proximidade do professor, o tipo de interesses que ele mostra, como é que se pode ir ao encontro dos interesses… Depois há outros professores ou outras circunstâncias em que [aquilo] se procura é ‘se eu me visse livre destas pessoas era o ideal.’ Começa por se chamar os pais, falar com os pais, ‘o seu filho é insuportável. Veja lá se o levam a algum lado. Veja lá se lhe dão umas pastilhas’…”

Emílio Eduardo Salgueiro fala baixo e devagar. Calculo que é neste tom que se dirige aos pais e aos filhos que chegam ao seu consultório. Os filhos, diz, vêm porque são considerados “insuportáveis” e também porque têm mau rendimento escolar: “os maus comportamentos com bom rendimento são absorvidos [pelo professor]”. Os pais chegam à consulta “zangados”: “Em regra [as pessoas] vêm muito zangadas com a escola. Com a escola. Não é tanto com o professor A, B ou C. É com a escola. E vêm zangadas com o filho.”

Mas voltemos às “pastilhas”. Num discurso em que as pausas e as repetições não são neutras retoricamente falando, Emílio Eduardo Salgueiro repete a expressão “umas pastilhas”. Era inevitável falarmos delas ou mais propriamente daquilo que “as pastilhas” representam: a medicação das crianças com problemas de comportamento. “Essa é uma das soluções procuradas e mais populares hoje em dia (…) porque há uma medicação que é eficaz numa percentagem elevada, 60 a 65% dos alunos grandes irrequietos acalmam.” Apesar do valor expressivo destas percentagens Emílio Eduardo Salgueiro não considera esta solução uma boa solução: “É eficaz na acalmia mas em regra eles não aprendem melhor porque os processos de aprendizagem não estão diretamente ligados ao comportamento. Mas como não incomodam, ficamos com o problema adiado…”

Ao falarmos de medicação e do recurso ao enquadramento legislativo que permite a estas e a outras crianças fazer a sua vida escolar com níveis de exigência diferentes era quase obrigatório abordarmos as questões do diagnóstico: “Fiz um trabalho em que comparei três escolas de três áreas e havia escolas em que era frequentíssimo o diagnóstico hiperativo e escolas onde era raro o diagnóstico hiperativo. Mais do que isso: em cada escola havia turmas em que havia uma percentagem apreciável [de diagnóstico hiperativo] e turmas em que não havia. Chegou-se à conclusão que havia um efeito região, efeito bairro e efeito professor”.

E por fim chegamos à pergunta que atravessa todas as conversas, discussões e angústias sobre hiperatividade – porquê? Para Emílio Eduardo Salgueiro “não são só as crianças que se tornaram irrequietas. A sociedade está irrequieta. Portanto as famílias também estão irrequietas. Mas não dão por isso. Só dão por isso no outro que é o filho.”

E assim chegamos ao título desta entrevista – “Em regra não há filho irrequieto numa família tranquila.” E aqui acabam as transcrições porque para concordar, discordar e sobretudo perceber estas e outras afirmações de Emílio Eduardo Salgueiro o vídeo desta entrevista é fundamental.

Fonte: Observador com vídeo

Sem comentários: