domingo, 14 de junho de 2015

Os exames como arma política

Estamos em plena época de exames e só os mais distraídos não terão percebido a importância que eles têm num ano de final de mandato. Enquanto já se percebeu que em matéria de Educação o pré-programa do PS se diferencia do desenvolvido pelo atual governo basicamente pela recusa de exames no 4º ano, também já é bastante claro de que modo os resultados dos exames ou provas finais de pouco servem quando os critérios de classificação oscilam ou os programas e metas curriculares mudam a um ritmo incompatível com qualquer tentativa séria para aferir a evolução das aprendizagens dos alunos.

No caso do Ensino Básico, os programas de Matemática e Português sofreram pelo menos duas alterações profundas em menos de uma década, culminando com a impensável revogação do de Português a meio de um ano letivo quando tinha sido ele a orientar o trabalho de professores e alunos até cerca de dois meses antes da realização das provas de 4º e 6º ano. Esta instabilidade traz um caráter errático aos resultados dos alunos, introduzindo perturbações desnecessárias e só explicáveis pelo campo de batalha em que se tornou o ensino daquelas duas disciplinas nos últimos anos.

Um outro problema, transversal aos governos que se têm sucedido, é a tentação a que nunca se resiste de querer apresentar resultados a tempo do final do mandato ou quando se pretende demonstrar que se está no caminho certo, quando o clima de conflito no setor é muito evidente. Assim se passou em 2008 quando, no auge do conflito com os professores, o ministério da Educação conseguiu tirar da cartola um aumento extraordinário dos resultados dos exames de Matemática do Ensino Secundário que se apressou a atribuir às mudanças introduzidas com o PAM – Plano de Ação da Matemática – que apenas ainda tinha sido aplicado aos alunos do Básico. Assim se passou em 2009 com os resultados de Português. Os anos de final de mandato são quase sempre de resultados acima da média em algumas disciplinas ditas “estruturantes” ou com maior impacto mediático. Para quem acha que estou a exagerar, direi que recolhi estes exemplos num artigo do diretor do atual IAVE (“Exames nacionais: instrumentos de regulação de boas práticas de ensino e de aprendizagem?” no volume A Avaliação dos Alunos publicado pela FFMS em 2012, página 58, nota 10).

É este mesmo diretor do IAVE que em entrevista recente (...) faz algumas declarações entre o cândido e o perturbador. Questionando-se sobre a utilidade dos exames para a melhoria das aprendizagens dos alunos, faz algo que lhe não é raro, ou seja, lança em primeiro as culpas para longe e embora desta vez afirme não querer culpar os professores e as escolas acaba por fazê-lo de forma indireta quando afirma que eles fazem um treino intensivo para os exames e que cedem a pressões externas: “é o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula. E por várias razões. Faz-se esse treino intensivo, mas para o tal feedback de qualidade não há tempo porque o objetivo é fazer testes por fazer. (…) Os alunos estão a ser formatados. É um péssimo retrato da escola, mas há muita dificuldade de mudar este paradigma. Há a pressão da obtenção de resultados por parte das escolas, há a pressão dos pais, há todo um conjunto de contextos sociais que criam uma espécie de ratoeira em que somos tentados a ir pela forma mais fácil, que é a de treinar intensivamente para os exames.”

Mas o que é mais perturbador é quando admite que os resultados dos exames podem ser determinados em grande parte pela sua conceção e que é possível produzir a melhoria das médias a partir de pequenos pormenores na elaboração das questões ou do ajustamento dos critérios de classificação. Algo que já se conhecia de forma empírica, mas que é bom ver confirmado pela autoridade máxima em exames e provas finais. Vejamos o que é dito sobre o exame de Matemática do Secundário: “tem havido um comportamento atípico de alguns itens que está a gerar classificações tendencialmente mais baixas. Não tem a ver com os alunos saberem menos. Desse ponto de vista a intervenção, e aqui mostra-se como é fundamental termos independência técnica, tem de ser a de tentar perceber porque é isso está a acontecer e tentar intervir. O que pode ser feito, por exemplo, como fizeram ao longo deste ano, ao nível sobretudo dos critérios de classificação. Fala-se muito do enunciado e esquece-se também que há uma dimensão que é determinante para os resultados que são os critérios de classificação e as pontuações atribuídas aos itens. (…) Melhorar pode significar aprimorar um critério de classificação, melhorar os cuidados a ter na linguagem utilizada, utilizar-se suportes mais acessíveis”.

Quando já temos muitos anos de exames e provas finais é para mim estranho que ainda se andem a “aprimorar detalhes”, em especial quando se afirma que são ouvidas centenas de professores e auditores. Entendo que se procure sempre melhorar o trabalho feito mas não me parece muito transparente que isso seja feito com o objetivo direto de melhorar os resultados em dados momentos. As questões devem ser sempre claras e não um labirinto semântico e esse erro não é novo. Quanto aos critérios de classificação, muito haveria a dizer sobre a sua oscilação ao longo do período de classificação, em particular quando se percebe que os resultados estão ser desastrosos porque a prova ou esses mesmos critérios estavam em grande parte mal concebidos e é necessário adaptá-los. Só que o dever de sigilo dos classificadores impede que a opinião pública tenha conhecimento das absolutas barbaridades que se passam ao nível das instruções dadas para adaptar os critérios e que chegam por mail a poucos dias da entrega das grelhas de classificação. Já sei que haverá quem diga que o que afirmo é residual. Eu diria que não é, que depende muito da sensibilidade do momento. Que é maior em anos como 2015 em que há eleições e em que “alguns itens” são menos bem-vindos ou tendem a ter um valor relativamente menor.

Tudo isto resulta da opacidade em que mergulha o funcionamento do IAVE em tudo o que está a jusante da publicitação das provas/exames e dos critérios oficiais de classificação. Publicitação que é positiva mas que deveria ser extensiva ao conhecimento das equipas que fazem as provas e cuja escolha conviria ser feita de um modo mais rigoroso do que o “todos conhecemos pessoas que sabemos serem capazes de” ou equivalente que o diretor do IAVE declarou em recente debate televisivo sobre estas matérias.

Porque a transparência do processo de produção das provas permitiria perceber, em especial em algumas disciplinas, se existe continuidade na perspetiva adotada ou se andamos a mudar conforme a capacidade de pressão de alguns nichos académicos. Porque essa transparência também permitiria que ninguém tirasse partido de um conhecimento privilegiado das provas até para termos a certeza de que muitos dos materiais pedagógicos produzidos para comercialização não sofrem de qualquer “incompatibilidade”. Só a transparência gera confiança e elimina as dúvidas e suspeitas. E todos os parentes de César devem ser e parecer sérios.

Este texto vai longo mas não gostaria de o terminar sem assinalar algo em que concordo com Hélder de Sousa. Realmente “não faz qualquer sentido que haja porventura mais escolas a beneficiar do crédito por terem reduzido a classificação interna do que por via da melhoria dos resultados dos alunos nos exames”. Porque essa, sim, é uma prática perversa e que penaliza os alunos.

E já agora… duas pistas acerca do “sucesso” nos exames e provas do Ensino Básico deste ano e dos próximos: muitos milhares de alunos com historial de insucesso foram “dispensados” de os fazer por via do “ensino vocacional” e este ano já não vão a exame de 6º e 9º ano todos os alunos como até agora, ficando para a 2ª fase – a menos mediática – os que já apresentam um número elevado de classificações inferiores a três e previsivelmente produziriam mais insucesso nas pautas.

É bem verdade que o sucesso pode estar na atenção aos “detalhes”.

Paulo Guinote

Fonte: Público

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