segunda-feira, 15 de junho de 2015

Profissão de risco: aluno

Hoje é, para a maioria das crianças e adolescentes em idade escolar, o primeiro dia de férias. O que não significa que alterem horários, forçados que tantos estão a frequentar ateliês de tempos livres e outras soluções de ocupação enquanto os pais trabalham. Nada de anormal, nem que mereça os excessos de culpabilização em que caiu o discurso carregado de regras sobre a boa paternidade. Mas merece, isso sim, que se reflita sobre o atual significado da palavra férias.

Não é fácil vislumbrar bons argumentos para propor, como fez a Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), a redução das férias para apenas um mês. Mesmo com toda a tentativa de emendar a mão que se seguiu às declarações iniciais. Segundo o presidente, o objetivo é reduzir a carga horária e aumentar o tempo de "envolvimento" com espaços exteriores e com a biblioteca. O que soa, se quisermos ser honestos, a desculpa esfarrapada para aumentar o tempo de contacto das crianças com a escola.

À proposta do Conselho das Escolas para que seja criada uma nova pausa a meio do primeiro período, a Confap respondeu com o argumento de que "os programas são extensos" e "é preciso tempo" para cumprir metas. Foi pena não ter usado argumentos bastante mais exigentes. Que arranques de ano desastrosos como o último destroem várias semanas de aprendizagem. Que as constantes alterações de programas e as novas metas curriculares introduzem incerteza e pressão nem sempre positivas. Que o calendário de exames tornou os últimos meses do ano um túnel de stresse e excessivo foco na preparação para o grande dia.

Numa altura em que a maioria dos alunos passa mais horas na escola do que o tempo de trabalho dos pais nos países desenvolvidos, qualquer tentativa de encurtar as chamadas férias grandes só pode resultar em menos tempo para que as crianças brinquem livremente, sem qualquer adulto a orientá-las.

A escola está cada vez mais focada em resultados, objetivos e metas curriculares com contornos absurdos. Pensar que a capacidade de leitura e interpretação é quantificável pelo número de palavras lidas por minuto causa-me calafrios. Mas é isso que as escolas fazem: quantificam, uniformizam, criam padrões para objetivar a avaliação.

Recuso-me a acreditar num sistema de ensino que padroniza. Que dá tão pouco espaço à criatividade, à imaginação e às singularidades de cada aluno. Em vez de calendários, devíamos estar a discutir um conceito de escola que ensine mais a interpretar, questionar e criticar. E o tempo que damos aos mais novos para simplesmente serem crianças.

Inês Cardoso

Fonte: JN

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