quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Another Brick in the Wall

Ao ler os programas de alguns partidos políticos candidatos às legislativas de outubro, desde logo veio à minha memória a excelente música do álbum The Wall, dos Pink Floyd. Crítica essencialmente dirigida aos internatos ingleses, mas também ao respetivo sistema educacional, esta música de finais da década de 70 retrata alunos que se insurgem contra os professores que usavam de sarcasmo na sala de aula, fazendo da frase "We don't need no education..." o mote da sua discórdia e indignação, face à crueldade com que eram tratados.

Sabendo das alterações que ocorreram desde então, e ainda bem, o paradigma dos guias eleitorais permanece praticamente inalterado prevendo-se, por isso, que sejam meros tijolos colocados na parede, tal é a dificuldade em interpretar e até acreditar em algo que poucos leem e alguns contestam, sobretudo os mais atentos, na hora de prestar contas. É preciso aprender com os erros e não transformar estes importantes documentos (programas eleitorais) naquilo que, recentemente, os partidos políticos fizeram com os cartazes (irreais, virtuais…) – um circo onde vale tudo!

A ambiguidade, o descomprometimento e a ausência do anúncio de medidas estruturantes na educação, são fracas qualidades de que enfermam os compromissos dos principais partidos políticos portugueses. Outra das características destes documentos – espero que ainda estejam muito incompletos - é a supressão, ou impedimento, de medidas já operacionalizadas no terreno (“fim da…”, “extinção…”, “suspensão…”, “revogação…” são palavras usadas nos programas) à falta de ideias pró-ativas, fazendo perceber que tudo poderá mudar mais uma vez, infelizmente, o fado da Educação em Portugal.

Outros querem dar às universidades “maior autonomia”, fazendo tábua rasa do chamado ensino não superior, que quase ignoram. Ai do programa eleitoral que não valorize um setor de ensino tão importante e fundamental como o que envolve o pré escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos e ensino secundário. Não o tratar com a dignidade e importância que merece, é erro muito grave que terá as devidas consequências na hora de escolher.

“Reforço da autonomia das escolas” - frase gasta nos discursos políticos, legislação diversa, etc. - é algo que alguns tentam, uma vez mais, inserir nas promessas, mas recuando quando se trata de perceber como o poderiam fazer. Se a descentralização de competências é um caminho sem retorno, seja qual for o vencedor das legislativas, como pode ser reforçado algo que cada vez menos existe nas escolas? É preciso cuidado com o (ab)uso de certas palavras/frases chave, ocas e incoerentes com a ação, sob pena de desacreditação da política educativa, algumas vezes com boas intenções. Mas o inferno está cheio delas…

Também há boas ideias, tais como “dar prioridade ao 1.º ciclo do ensino básico”, “garantir uma maior estabilidade do corpo docente”, “redução do número de alunos por turma”, “garantir a todas as crianças a partir dos 3 anos resposta na rede pública de pré escolar”, mas nada dizem ou são vagos em relação ao modo como se operacionalizam estas ideias. Não sabem como fazer? Dizem para “português ver”? É fundamental dar a entender que meios conduzirão às promessas, para que estas se possam concretizar. Assim não sendo, quem acredita?

Mas há assuntos que, ou são tabus ou incómodos e, por isso, não se perde muito/nenhum tempo na sua abordagem…

Por que nada se diz em relação aos professores com mais de 60 anos e que poderiam apoiar os alunos e as escolas, atribuindo-se-lhes outras tarefas? Por que motivo não há uma palavra para os professores contratados? Por que razão não é enfatizado o apoio a alunos com dificuldades de aprendizagem? Por que não se valoriza devidamente o apoio aos alunos com necessidades educativas especiais? Por que razão não se tem em conta os alunos com qualidades excecionais de aprendizagem e que necessitam ser mais estimulados? Por que não se fala do ensino privado e cooperativo, fingindo que não existe? Por que razão se pede o “fim da Prova de Aferição de Capacidades e Conhecimento”, quando ela já teve morte imediata? Por que é ignorado o pessoal não docente? Por que…

A Educação deveria ter tratamento privilegiado nos programas dos partidos políticos, integrando obrigatoriamente ideias claras e concretas nos diversos debates que até às eleições se vão suceder, sob pena de parecerem tijolos na parede que o partido vencedor (se for diferente da força política na governação) quer derrubar.

Filinto Lima

Professor/director

Fonte: Público

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