sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Os miúdos estão mais ou menos bem

A probabilidade de termos ouvido falar em “perigo” quando se relacionam na mesma ideia os adolescentes e a Internet é elevada. Desde o mais alarmante e alarmista medo de que as crianças e os adolescentes possam ser vítimas de predadores sexuais online, passando pelo receio da adição aos mundos virtuais, e consequente perda de faculdades de socialização no mundo real, até à partilha pouco criteriosa de informações pessoais, ignorando noções de privacidade, muitos adultos vivem com um receio dos adolescentes e pelos adolescentes.

Como grande parte dos medos, também este assenta no pilar fundamental do desconhecimento. Foi precisamente para combater esse desconhecimento do que é a vida em rede dos adolescentes que danah boyd decidiu transformar aquilo que era uma tese académica num livro mais acessível ao grande público: É Complicado: as vidas sociais dos adolescentes em rede. A investigadora do Centro de Pesquisa da Microsoft, com trabalho feito na área da relação entre a tecnologia e a sociedade, defende ao longo do livro uma tese muito simples: “De um modo geral, os miúdos estão bem.”

Esta afirmação é feita logo no Prefácio e os sete capítulos que se lhe seguem visam desconstruir uma série de mitos sobre privacidade, predação sexual, bullying, desigualdade, entre outros. Daí emerge também o principal defeito do livro de boyd: as suas conclusões, ainda que suportadas por um trabalho de campo entre 2005 e 2012, em dezoito estados norte-americanos, e 166 entrevistas, parecem existir antes do estudo – isto é, o estudo parece direccionado a provar as suas ideias, mais do que serem as ideias a emergir do mesmo. (...) 

A dependência da Internet que alguns adultos apontam aos jovens, conclui boyd, não é mais do que uma resposta às limitações impostas por esses mesmos adultos, que autorizam cada vez menos tempo de convívio não mediado aos adolescentes. Assim, como demonstram as entrevistas realizadas, os jovens utilizam a Internet sobretudo para comunicarem com os amigos que já conhecem e porque não têm mais oportunidades de estarem juntos fora da escola. (...) 

O livro termina com dois capítulos mais virados para uma crítica social do que para uma análise dos comportamentos adolescentes: a desigualdade e a literacia digital. No penúltimo, boyd refuta a ideia que emergiu nos primórdios da Internet, e que não foi totalmente abandonada, de que esta ferramenta ajudaria muito na dissolução das desigualdades sociais, quando se limita a replicá-las. No último, refuta a ideia de que os jovens de hoje em dia sejam “nativos digitais” pelo simples facto de terem crescido com a tecnologia. Muitos são, na verdade, utilizadores com conhecimentos muito básicos sobre as aplicações e sites que utilizam.

Focado na realidade dos Estados Unidos da América, É Complicado consegue atingir a universalidade em muitas questões, embora haja sempre a necessidade de relativizar certos aspetos, como a cultura do medo nascida de certos programas de pretensa reality TV. O objetivo nobre de chamar a atenção dos adultos para o facto de os adolescentes não serem tão incompreensíveis quanto muitas vezes os consideramos é conseguido; mas falta um contraditório mais convincente em alguns temas. Acima de tudo, é um livro importante, que merece não existir apenas enquanto tese académica, embora a tradução portuguesa seja bastante fraca e lhe roube o tom mais descontraído que a autora se esforçou por imprimir.

Fonte: Público por indiciação de Livresco

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