quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A carta que António Costa não escreveu

(...) Quando, em março, António Costa apresentou 55 propostas, a que ele próprio chamou "o primeiro capítulo do programa de Governo", a Educação não mereceu epígrafe própria. No documento Uma Década para Portugal, apresentado publicamente após um concurso de professores com 26.573 candidatos para 1.954 vagas, o PS falava de estabelecer incentivos à fixação de professores em zonas menos atrativas, como se tivéssemos alguma dificuldade em preencher algum lugar em qualquer parte do país. E deste começo nada auspicioso, partiu para um programa eleitoral cheio de generalidades, algumas banalidades e várias inconveniências (PACC, exames de 4º e 6º anos, municipalização, escola a tempo inteiro e formação a rodos para os professores, por exemplo).

Ora na carta que não escreveu, António Costa poderia ter dito que, se queremos mudar Portugal, temos que dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo, com as seguintes medidas concretas, que poderia ter decidido acrescentar ao seu programa:

- Alterar o modelo de gestão das escolas, entregando a professores eleitos por professores a responsabilidade efetiva de as gerir, devolvendo-lhes a democraticidade perdida e conferindo-lhes ampla autonomia.

- Recuperar a figura tradicional de escola como unidade orgânica, com gestão própria, de modo a devolver às escolas a identidade que os agrupamentos lhes retiraram.

- Conferir aos quadros de pessoal das escolas a dimensão adequada às suas necessidades permanentes.

- Permitir que as escolas com problemas ensaiem turmas reduzidas e tenham dois professores por turma, em situações específicas.

- Retomar a universalização das aulas com 50 minutos de duração.

- Reorganizar e aumentar as respostas a crianças com necessidades educativas especiais ou oriundas de minorias étnicas, religiosas e culturais.

- Substituir o estatuto do aluno, de caráter nacional, por simples códigos de conduta, construídos dentro de cada escola.

- Despojar o processo disciplinar escolar das garantias que hoje tem, similares às do processo penal, conferindo-lhe caráter sumário, de natureza pedagógica, com medidas definitivas e executórias da responsabilidade exclusiva dos órgãos pedagógicos da escola.

- Conferir aos professores estatuto de autoridade pública, com todas as consequências legais.

- Criar serviços de orientação escolar, vocacional e tutorial nas escolas.

- Diminuir a taxa de reprovações, identificando precocemente os obstáculos à aprendizagem e conferindo às escolas meios materiais e humanos para superá-los, reconhecendo que os alunos têm ritmos e necessidades diferentes.

- Criar um departamento de desenvolvimento curricular, especializado e permanente, que substituiria a cultura assente em grupos ad hoc, sempre que se operam intervenções em planos de estudo e programas.

- Redefinir globalmente os planos de estudo e os programas disciplinares, expurgando-os dos milhares de metas incumpríveis, sem sentido nem escala humana razoável.

- Diminuir as elevadas cargas curriculares atuais, desajustadas ao desenvolvimento psicológico das crianças e recuperando a importância das artes, expressões e atividades físicas e desportivas.

- Reduzir o peso institucional e social dos exames nacionais e acabar com a sua aplicação nos 4º e 6º anos de escolaridade.

- Dignificar o ensino profissional e interditar qualquer adoção vocacional em idade precoce.

- Atrasar a entrada no ensino básico para os sete anos de idade.

- Conceber um estatuto de carreira docente, em que os professores portugueses se revejam, que seja instrumento de desburocratização da profissão e fixe um referencial deontológico claro.

- Revogar de imediato o atual modelo de avaliação do desempenho dos professores, que perderá o seu caráter universal e será substituído por instrumentos definidos autonomamente em cada unidade orgânica, privilegiando a avaliação do desempenho da Escola, enquanto somatório do desempenho dos seus atores, sendo certo que contextos científicos e pedagógicos diferentes não podem ser avaliados do mesmo modo.

- Reavaliar e reformular toda a legislação que regula os concursos e a contratação dos professores, aceitando que devem ter sempre natureza nacional, com base na graduação profissional dos candidatos.

- Redefinir toda a missão e estrutura da Inspeção-Geral da Educação e Ciência, orientando-a prioritariamente para a vertente pedagógica.

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Fonte: Exrtrato da crónica publicada no Público

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