quarta-feira, 6 de julho de 2016

Intervir no 1.º ciclo: de pequenino se torce o destino

De pequenino se torce o pepino.
O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.

Dois provérbios que podem bem ser aplicados à aprendizagem escolar. Dois provérbios a lembrarem um assunto muito falado há algum tempo: a necessidade de intervenção no 1.º ciclo a fim de melhorar o sucesso académico das nossas crianças. Não poderia eu estar mais de acordo com a ideia da necessidade de uma tal intervenção.

A respeito da diminuição do insucesso escolar, tem havido, igualmente, grande debate sobre os “chumbos” e os seus benefícios ou malefícios para as crianças. Se as reprovações, como tanto se tem ouvido, não contribuem significativamente para ultrapassar os problemas que as geraram, também não é com o seu simples desaparecimento que estes ficarão solucionados. 

Não será simplesmente por transitarem de ano que os alunos com dificuldades em várias disciplinas deixarão de as sentir. Também se tem falado sobre a aplicação de projetos diversos nas escolas, mas sem que se veja significativo aumento de recursos humanos e materiais. 

Certo mesmo é que não será o preenchimento de inúmeros relatórios e outros documentos, pelos professores, roubando-lhes cada vez mais tempo para o trabalho direto com os alunos, que trará uma miraculosa solução. Por conseguinte, há que refletir e tomar medidas ajustadas, sendo a intervenção no 1.º ciclo de crucial importância, já que “o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.

O insucesso escolar é um fenómeno complexo, com muitas causas de diferentes naturezas, que requer uma intervenção abrangente. Sem pretender ser exaustiva, aqui vão algumas explicações que exigem tomada de medidas por diferentes intervenientes, entre os quais professores, pais, estudantes, autarcas e governantes: número excessivo de alunos por turma, escolas/salas de aula com condições que dificultam a atenção e a concentração (calor ou frio excessivos, ruído, deficiente arejamento, luminosidade impeditiva de ver para o quadro ou ecrã), horários mal elaborados, dificuldade em manter a disciplina na sala de aula, alunos com poucas horas de sono ou sem terem tomado pequeno-almoço, programas demasiado extensos, falta de conhecimentos básicos necessários para aprendizagens subsequentes. Vou deter-me neste último problema e apenas numa parte dele: o deficiente domínio da leitura e da escrita, ferramentas indispensáveis para as aprendizagens escolares.

A aprendizagem da leitura e da escrita é feita no 1.º ciclo. Estas ferramentas farão parte da vida de qualquer cidadão, em idade escolar ou após a escola, para aprendizagens académicas, para a vida profissional, para fins recreativos, para o exercício de direitos e deveres elementares de cidadania. O seu desconhecimento ou deficiente domínio inibe não só a prossecução de estudos com sucesso mas também uma participação plena na sociedade, que está tão assente na palavra escrita.

Quantas crianças não chegam ao 2.º ciclo sem serem capazes de ler e/ou escrever fluentemente? Não vou cair na tentação fácil de atribuir a culpa aos professores do 1.º ciclo. Muitos dos problemas acima referidos (originados, com pesos diferentes, na escola, na família ou nas políticas educativas) coexistem neste ciclo e contribuem para esta grave situação. Estas crianças acabam por andar “empurradas” ao longo da sua escolaridade, sem possibilidade de acederem ao conhecimento esperado e a que têm direito. Se não aprenderam a ler e a escrever capazmente no 1.º ciclo, não será nos ciclos seguintes que isso vai acontecer, até porque os professores não têm a função de orientar essas aprendizagens nem estão preparados para esse efeito, nem a organização desses níveis de ensino o permitiria. Portanto, há que repensar o 1.º ciclo e definir e aplicar medidas adequadas. Avanço já duas, absolutamente indispensáveis: redução do número de alunos por turma; apoio individualizado adequado a cada criança que manifeste dificuldades na leitura e na escrita, logo que elas se façam sentir. É de pequenino que se torce o pepino, ou, como disse alguém, muito acertadamente, que se torce o destino. Se o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita, é preciso garantir que a aprendizagem de tão importantes ferramentas nasça com segurança, para continuar a crescer com firmeza e possibilitar o acesso ao conhecimento e ao exercício da cidadania.

O destino de uma criança que não adquire competências sólidas na leitura e na escrita fica comprometido. São muitas as crianças e os jovens que se encontram nas nossas escolas nesta situação. Estes alunos não podem ser olhados como meros números de estatísticas. Por trás de cada um está uma vida, estão sentimentos, estão projetos e sonhos que não se poderão cumprir.

Embora neste artigo me tenha centrado na aprendizagem da leitura e da escrita, tudo quanto foi exposto se pode aplicar à aprendizagem da matemática. Estas áreas apresentam, em comum, o facto de não ser possível realizar novas aprendizagens sem terem sido adquiridos os conhecimentos prévios, pelo que o insucesso vai gerando cada vez maior insucesso, com menor possibilidade de recuperação. Quantos jovens se veem obrigados a prescindir da via profissional que preferiam por falta de domínio da matemática?

Olhar para o 1.º ciclo e definir medidas realmente abrangentes, ajustadas e eficazes é uma forma de cortar este ciclo de reprodução/amplificação de insucesso. É uma forma de torcer o destino respeitando o direito de todas as crianças a um ensino de qualidade.

Armanda Zenhas

Fonte: Educare

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