quinta-feira, 31 de março de 2016

EDUCAÇÃO INCLUSIVA - O estado da arte em Portugal

Ontem referi aqui o processo de avaliação do Comité das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiência relativo à da implementação e o cumprimento das normas estabelecidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal.
No mesmo sentido deixo aqui uma referência ao "Relatório sobre Portugal para o Estudo sobre as políticas dos Estados-Membros relativas a crianças com deficiência" elaborado no âmbito do Parlamento Europeu e divulgado no final de 2014 sem grande conhecimento público por cá, o que se percebe pela leitura do Relatório que, aliás, se recomenda.
Transcrevo um excerto do ponto 3.1.8 - Direito a uma educação inclusiva (artigo 28.º da CDC; artigo 24.º da CDPD) e sua aplicação, na pg. 33.
“Apesar da retórica da lei, persistem lacunas importantes na aplicação desses princípios e regras. As escolas regulares têm falta de recursos humanos e técnicos para responder às necessidades de crianças com deficiência. Além disso, a utilização da CIF como instrumento de avaliação tem sido problemática para muitos alunos com deficiência: tem sido reportada uma falta de formação para a aplicação do instrumento e um nível elevado de subjetividade nas avaliações realizadas e, consequentemente, no apoio prestado. Outro estudo demonstrou igualmente que o número de alunos com direito a apoio especial diminuiu desde 2008 (o ano de aplicação do Decreto-Lei n.º 3/2008). O autor alega que o novo sistema de educação inclusiva está, na verdade, a promover a exclusão de muitas crianças, pois incide apenas naquelas com deficiência permanente, criando simultaneamente novas formas de segregação ao concentrar o apoio em apenas algumas escolas (as escolas de referência), enquanto todas as outras ficam sem os recursos adequados. Uma conclusão semelhante é especificada no relatório do Conselho Nacional de Educação que aponta para problemas criados pelos critérios de elegibilidade, que excluem crianças com necessidades educativas de caráter temporário. Não tendo respostas educativas adequadas em tempo útil, arriscam-se a que as suas dificuldades se tornem permanentemente incapacitantes. Por fim, um estudo de monitorização recente sobre os direitos das pessoas com deficiência verificou que a persistência de rótulos e de estereótipos negativos associados a deficiência contribuem para relações de desrespeito entre alunos com e sem deficiência. O mesmo estudo refere que a falta de apoios especializados nas escolas regulares, incluindo a ausência de material de apoio em formato acessível, a falta de formação dos docentes e restante pessoal e a inexistência de transportes acessíveis, constitui uma barreira significativa à educação de crianças com deficiência em Portugal."
Talvez esta avaliação possa ser inspiradora das anunciadas mudanças neste universo.

José Morgado

A educação inclusiva nas Grandes Opções do Plano para 2016-2019

Pela publicação da Lei n.º 7-B/2016, de 31 de março, ficamos a conhecer as Grandes Opções do Plano para 2016-2019. No âmbito da política educativa e da educação inclusiva, destacam-se algumas medidas.

Apostar na educação pré-escolar como chave para o combate ao insucesso escolar: Começar bem vale sempre a pena 
A expansão da educação pré-escolar tem um papel decisivo na promoção do sucesso escolar, constituindo a base essencial do futuro escolar das crianças, pelo que deverá ser retomado o investimento no alargamento da rede e na qualificação da educação de infância. Para tal, serão implementadas as seguintes medidas: 
• Universalidade da oferta da educação pré-escolar a todas as crianças dos três aos cinco anos; 
• Planos específicos de desenvolvimento das aprendizagens, que garantam que todas as crianças desenvolvem as aprendizagens previstas nas orientações curriculares; 
• Tutela pedagógica sobre todos os estabelecimentos da rede nacional, pública ou solidária, de educação pré-escolar; 
• Diagnóstico precoce de situações de risco como estratégia de prevenção do insucesso escolar num momento em que a ação é mais eficaz; 
• Programas de acompanhamento e formação dos educadores, articulados com as ações previstas para o 1.º ciclo do ensino básico.

Combater o insucesso na sua raiz: desenvolver um ensino básico integrado, global e comum a todas as crianças 
Importa inverter a trajetória de aumento do insucesso escolar no ensino básico e voltar a um percurso de melhoria progressiva deste indicador central do sistema educativo, garantido que todas as crianças e jovens concluem os primeiros anos de escolaridade com uma educação de qualidade, alicerçada numa ampla variedade de aprendizagens, rejeitando a dualização precoce. Com vista ao alcançar destes objetivos ir-se-á proceder: 
• À promoção de uma maior articulação entre os três ciclos do ensino básico, atenuando os efeitos das transições entre ciclos, através da gestão integrada e revisão dos currículos do ensino básico e da redução da carga disciplinar excessiva dos alunos; 
• Ao incentivo da flexibilidade curricular, desde o 1.º ciclo, recorrendo a diferentes possibilidades de gestão pedagógica e gerindo com autonomia os recursos, os tempos e os espaços escolares; 
• À rejeição da dualização precoce, garantido que todas as modalidades de organização e gestão curriculares visam a integração dos alunos e o seu progresso escolar; 
• À priorização do 1.º ciclo do ensino básico, com vista a que, no final da legislatura, a retenção seja residual; 
• À generalização da «Escola a Tempo Inteiro» em todo o ensino básico; 
• À realização das Provas de Aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade, em substituição das provas finais nos 4.º e 6.º anos de escolaridade.

Assegurar o cumprimento dos 12 anos de escolaridade obrigatória: valorizar o ensino secundário e diversificar a oferta formativa 
A valorização do ensino secundário, através da consolidação e aprofundamento da sua diversidade, qualidade e valor de todas as ofertas formativas, é essencial para o cumprimento da escolaridade de 12 anos. Assim, a escolaridade obrigatória deve ser inclusiva e promover o sucesso de todos e, para a concretização deste objetivo, será desenvolvido um programa que ajude os alunos a delinear os seus percursos escolares e projetos de vida, procurando garantir progressivamente uma aproximação entre as percentagens de jovens que frequentam os cursos de natureza profissionalizante e os que frequentam os cursos de científico-humanísticos.

Promover a inclusão das pessoas com deficiência 
No domínio da promoção da inclusão das pessoas com deficiência, salienta-se a prioridade a dar à sua inclusão, que impõe uma ação transversal, desde uma escola inclusiva a um território sem barreiras, passando pelo aperfeiçoamento de mecanismos de apoio social e por uma estratégia de emprego digno para todos. A inclusão das pessoas com deficiência constitui, assim, uma prioridade central da agenda para a igualdade, que terá como objetivos prioritários a identificação e o reconhecimento de diferentes situações de incapacidade, com graus diferenciados de dependência, que carecem de respostas e de apoios distintos, uma vez que os desafios que se colocam à sua integração são de natureza diversa. Entre as medidas a desenvolver, referem-se as destinadas a:
• Definir de uma estratégia de emprego e trabalho para todos, envolvendo os diferentes atores, que aposte em ações de formação profissional no sistema regular de formação, no aumento da oferta de estágios profissionais em empresas e organizações do setor público e solidário;
Apostar numa escola inclusiva de 2.ª geração que deverá intervir no âmbito da educação especial e da organização dos apoios educativos às crianças e aos jovens que deles necessitem.

Peritos nacionais e internacionais debatem novas práticas de Intervenção Precoce na Infância

Esta sexta-feira, dia 1 de abril, entre as 14h30 e as 17h30, peritos nacionais e internacionais reúnem-se na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para debater novas práticas da Intervenção Precoce na Infância (IPI) na sessão de encerramento do Projeto Im2 (Intervir mais, intervir melhor), desenvolvido em parceria pela Universidade de Aveiro, a Associação Nacional de Intervenção Precoce e a Associação Pais em Rede.

Durante a iniciativa, que contará ainda com a intervenção dos consultores científicos do projeto, decorrerá também o lançamento formal do Guia para profissionais de práticas recomendadas em IPI.

O Projeto Im2 - Intervir Mais, Intervir Melhor é uma iniciativa da Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP) que tem como objetivo promover práticas de qualidade em Intervenção Precoce na Infância (IPI) no âmbito do Sistema Nacional de Intervenção Precoce (SNIPI). Apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), no âmbito do Programa Cidadania Ativa, o projeto decorreu entre outubro de 2014 e março de 2016, tendo como ação basilar a concepção e publicação de um guia Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância – Um Guia para Profissionais.

Complementarmente à divulgação deste Guia decorreu ao longo deste período um conjunto de ações de formação e seminários de sensibilização para profissionais de IPI. Tanto o guia como as ações complementares de formação e sensibilização têm como objetivo central proporcionar um quadro de referência comum orientador dos profissionais de IPI e contribuir para práticas mais eficazes e maior sucesso no empowerment das famílias e na qualidade de vida das crianças.

O Projeto Im2 foi desenvolvido em estreita colaboração com o SNIPI, envolvendo parcerias formais estabelecidas com a Universidade de Aveiro e a Associação Pais em Rede, uma Comissão Científica que integra vários especialistas na área da Intervenção Precoce na Infância, pertencentes a diversas Universidades portuguesas, e a consultoria da European Association on Early Childhood Intervention (Eurlyaid) e da International Society on Early Intervention (ISEI).

A sessão de encerramento do projeto (consultar programa do evento), é antecedida pela realização, no mesmo espaço, do XII Congresso Nacional de Intervenção Precoce (http://anip.net/index.php/xii-congresso-nacional-de-ip/programa), no dia 31 de março e na manhã de 1 de abril.

Para além dos convidados nacionais, essencialmente ligados à construção do guia e ao SNIPI, os dois eventos reúnem um importante painel de convidados internacionais, nomeadamente Michael J. Guralnick, da Universidade de Whashington (EUA), presidente da International Society of Early Intervention, Carl Dunst e Marilyn Espe-Sherwindt. Em representação das famílias e do seu papel central na intervenção precoce, estarão Luísa Beltrão (Portugal), Noor Van Loen(Holanda, EURLYAID) e Javier Tamarit (Espanha).

A ANIP e a Comissão Científica dos eventos, na qual está incluída a Universidade de Aveiro, contam com uma ampla participação de profissionais do SNIPI e outros interessados nesta temática, nomeadamente, elementos das universidades envolvidos na investigação e na formação graduada e pós-graduada em IPI, e famílias de crianças com necessidades especiais.

Fonte: UA online

Famílias especiais: Perturbações do Espectro do Autismo

Os pais de crianças com algum tipo de deficiência enfrentam uma das batalhas mais árduas que a vida pode confiar a qualquer ser humano. Ora, entre as problemáticas com as quais já trabalhei, as Perturbações do Espectro do Autismo (PEA) representam, sem margem para dúvida, uma das realidades mais complexas e extenuantes, quer do ponto de vista físico, quer do ponto de vista mental.

Importa começar por dizer que estamos perante uma síndrome ainda insuficientemente estudada (como, de resto, quase todas as que se relacionam com o desenvolvimento do enigmático cérebro), tendo apenas sido referenciada, pela primeira vez, durante a II Guerra Mundial (Leo Kanner, 1943 / Hans Asperger, 1944), embora o conceito já tivesse sido introduzido por Bleuler em 1911 (Ana Saldanha – O jogo nas crianças autistas, Lisboa, Coisas de Ler, 2014, p. 45). 

Atualmente, as PEA continuam a não ter cura e em cerca de 75% dos casos estão associadas à deficiência mental, sendo que ainda não existe um levantamento estatístico rigoroso do número de casos existentes em Portugal. Os números já conhecidos revelam-se, porém, assustadores, para todos aqueles que veem este nome ligado ao que mais desejaram na vida.

De facto, aceitar que um filho nosso tem problemas não é um processo fácil. Trata-se, contudo, de uma etapa decisiva para que possa depois ser implementado um programa de intervenção eficaz, que vá ao encontro das reais necessidades da criança, tal como ela é e não como os pais um dia desejaram que fosse. Vários investigadores chegam, de resto, a equiparar este doloroso período de aceitação da realidade a um processo de luto: o filho imaginado, desde logo, quando ainda se encontrava no ventre da mãe, “morre”, para poder aparecer no seu lugar a criança que, de facto, temos nos braços. Uma etapa, pois, incontornável, que tem de ser ultrapassada de modo positivo, sob pena de deixar mazelas para o resto da vida, sobretudo no elo mais frágil: a criança. 

Talvez o autismo seja ainda mais difícil de aceitar do que a maioria das “incapacidades”, porque, em muitos casos, a criança parece desenvolver-se de um modo perfeitamente “normal” até por volta dos 3 anos, momento a partir do qual começa, inesperadamente, a regredir, perdendo várias das faculdades/competências já adquiridas. A preocupação com o facto de a criança não conseguir falar é, regra geral, um dos sinais que mais preocupa os pais e os conduz à procura de respostas junto dos especialistas. Um caminho complexo que, depois de iniciado (com muita dor e receio…), apresenta sempre um desfecho imprevisível.

Quase sempre, o diagnóstico – por volta dos 4 anos – cai que nem uma bomba sobre a cabeça das famílias. Com ele, inicia-se uma dramática luta de resistência, ao longo da qual – importará reconhecê-lo – nem todos os casais conseguem permanecer unidos (seria importante conhecer, de um modo fidedigno, o número de divórcios também associados a estas matérias). Não raramente, os pais sentem-se sós, desgastados, amargurados e ansiosos, o que pode originar episódios de revolta, incluindo contra os profissionais da educação. De resto, sejamos honestos, é ainda incipiente o trabalho de efetiva articulação que existe entre as escolas portuguesas e as famílias.

De um ponto de vista prático, escolas e famílias permanecem ainda, em grande parte, de costas voltadas, atribuindo-se mutuamente culpas por tudo e mais alguma coisa. Ora, no caso das crianças consideradas como tendo Necessidades Educativas Especiais esta rutura assume consequências ainda mais graves. Faltam-nos, por conseguinte, efetivos projetos de intervenção psicopedagógica junto de famílias nucleares. Falta-nos construir uma Escola de pontes, onde pais, professores e todos os demais profissionais possam colaborar de um modo regular, pensando única e exclusivamente no desenvolvimento integral dos mais novos, procurando soluções em conjunto que permitam rentabilizar todos os momentos da vida da criança, partilhando humildemente dúvidas e inquietações. Faltam-nos pontes e, sobretudo, uma cultura de humildade, onde todos estejam predispostos a aprender...

De um modo muito sintetizado, poderá dizer-se que a criança portadora de uma PEA apresenta problemas de interação social, de imaginação e de comunicação (podendo mesmo nem sequer falar). Poderá preferir isolar-se a ter de conviver com os seus pares, apresenta comportamentos repetitivos (estereotipias), que podem, por exemplo, passar pelo obsessivo interesse em rodopiar todos os objetos que encontra pela frente ou alinhar os brinquedos sempre na mesma posição/repetir invariavelmente as mesmas rotinas ou abanar as mãos. Para além destes comportamentos autorreguladores, poderemos ainda falar de atos de auto e heteroagressão, que habitualmente podem interpretar-se enquanto manifestações da criança para obter rapidamente o que deseja (comportamentos funcionais) ou de episódios de riso incontrolado, que podem ser interpretados pelo adulto como atitudes desafiadoras, mas que, por vezes, mais não são do que comportamentos de autoestimulação ou até de simples manifestações de ironia pela falta de expectativas em relação às suas potencialidades. Acrescentem-se ainda episódios de birra e choro frequentes, uma grande dificuldade em realizar novas aprendizagens, interpretar expressões faciais ou aceder a contextos diferentes do habitual (por exemplo, sair à rua ou frequentar um local desconhecido). O desvio sistemático do olhar e a necessidade de isolamento são talvez as duas características mais conhecidas, mas importa não esquecer que por trás deste conceito (PEA) se esconde uma panóplia extremamente diversificada de situações complexas, pois, de facto, cada caso é sempre um caso, daí que as generalizações sejam muito perigosas. Existem, de resto, um conjunto de representações amplamente divulgadas (nomeadamente pela literatura e pelo cinema), que, no meu entendimento, nem sempre correspondem à realidade subjacente a esta problemática. Assim, a título ilustrativo, nem sempre a criança autista sente desprazer no contacto com o outro – tem, isso sim, grande dificuldade em estabelecer relações afetivas, compreender gestos simbólicos ou sentidos metafóricos, pois o que é intuitivo para a maioria das crianças precisa, no caso do autista, de ser inicialmente explicado e racionalizado, para que possa depois ser interiorizado. Muitas vezes, a criança com autismo não brinca porque, pura e simplesmente, não sabe fazê-lo, não percebe como chegar ao outro, não possui ferramentas para compreendê-lo (empatia) e, por isso, assume comportamentos pouco apropriados, mas que são, frequentemente, a sua forma de dizer “olhem para mim… eu também quero brincar!”. Além disso, o desvio do olhar não significa, de todo, que a criança com autismo não observe o que se passa em seu redor. Bem pelo contrário! Por vezes, existe mesmo uma hipersensibilidade que leva estas crianças a “ler”, em poucos instantes, de um modo quase automatizado, os ambientes sensoriais/emocionais envolventes. E essa hipersensibilidade pode também estender-se ao modo como se percepcionam determinados cheiros, ruídos, luzes, texturas que se acumulam vertiginosamente nos seus cérebros e os conduzem a um momentâneo estádio de insuportável confusão e sofrimento. Um estado de sobre-excitação que os faz desejar ardentemente o refúgio do silêncio. A este propósito, registe-se que as estereotipias (v.g., bater as mãos) constituem, muitas vezes, uma forma que a criança encontrou para se ajudar a si mesma, tal como o condutor tem necessidade de fechar os olhos quando se vê surpreendido com os máximos de um veículo que circula em sentido oposto. Outrossim, a essa hipersensibilidade poderemos associar outras características, que – se corretamente exploradas pelos vários profissionais – poderão ser pontos fortes importantes da criança com autismo: memória visual claramente acima da média e necessidade de respeitar regras, logo menor predisposição para o erro (o ser humano dito “normal”, à medida que se sente confiante na realização das suas tarefas, tende a saltar etapas, o que aumenta exponencialmente a probabilidade de erro).

Sendo uma problemática ainda sem cura, que afeta, sobretudo, o sexo masculino (numa proporção de, aproximadamente, 3 a 4 para 1), existe, contudo, um conjunto de programas de intervenção educativa que podem fazer toda a diferença, sendo que um dos mais conhecidos é o modelo estruturado TEACCH (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children). O desenvolvimento e a implementação de programas de comunicação alternativa pode também constituir outra importante via para dotar a criança com autismo de uma maior autonomia e bem-estar, ao mesmo tempo, sublinhe-se, que estimula o desenvolvimento regular da fala (métodos complementares). De resto, as últimas pesquisas científicas têm trazido algumas esperanças, sendo que não posso deixar de destacar esta notícia que o Público divulgou recentemente: “Foi possível reverter sintomas do autismo em ratinhos adultos” (19/02/2016, p. 24). É mais uma luz num mar imenso de escuridão, mas importa não deixar de ter os pés assentes na terra, pois é pernicioso vender falsas expectativas a famílias particularmente fragilizadas por um combate extremamente desgastante. Um exemplo concreto: por vezes, em determinadas palestras que publicitam uma determinada metodologia de intervenção em detrimento de outras são apresentados um conjunto de casos de grande sucesso, silenciando – consciente e deliberadamente – os que não tiveram assim tanto êxito… 

Pese embora todos os avanços já verificados (e, nestes casos, os pequenos passos são sempre grandes vitórias), para muitas famílias, a aproximação dos 18 anos e o fim da escolaridade obrigatória trazem consigo uma angústia ainda maior, pois, frequentemente, as instituições de acolhimento não conseguem dar resposta aos inúmeros pedidos que lhes chegam às mãos. Muitas vezes, não resta aos pais, já envelhecidos, ficarem em casa com os filhos, não raramente muito violentos e no auge das suas forças físicas. Uma situação verdadeiramente dramática e que deita por terra todo o trabalho e o investimento que o Estado dito “inclusivo” desenvolveu enquanto o jovem esteve na Escola. Depois, importará perceber até que ponto a institucionalização destas pessoas representa, de facto, a melhor opção para o seu bem-estar físico, mas, sobretudo, mental…

Assim, no momento em que se celebra o “Dia Mundial da Consciencialização do Autismo” (2 de abril), gostaria de dedicar este breve texto a todas as famílias que enfrentam, no seu dia-a-dia, esta complexa realidade. De uma delas, anónima, ouvi ainda recentemente um desabafo, no decurso de uma palestra dinamizada em Lisboa: “O nosso menino tem autismo. Foi diagnosticado há 3 anos. E o autismo foi a melhor coisa que aconteceu na nossa vida. O autismo foi a melhor coisa que aconteceu na nossa vida”. É uma lição de amor – incondicional – que dificilmente poderei esquecer. 

São, de facto, famílias especiais, que ainda no passado recente, sublinhe-se, chegaram a ser apontadas como as principais responsáveis pela desordem neurológica dos filhos (teorias psicogenéticas, das quais parece ter sobrado a infeliz expressão “mãe-frigorífico”). Na verdade, trata-se de famílias que ainda hoje mereciam outro tratamento por parte de quem nos governa, mas também de todos nós, enquanto simples cidadãos, nos momentos mais banais do quotidiano (basta estar atento…). 

Em abril, mês da conquista da liberdade, vale a pena reflectir nas ditaduras (pessoais e sociais) que ainda não derrubámos. É, afinal, para as identificar, compreender e tentar combater que ainda continuo a escrever.

Por Renato Nunes

PS – Agradecimento à professora Ana Teixeira a produção e cedência da magnífica ilustração que acompanha este texto.

Fonte: Recebido por correio eletrónico

quarta-feira, 30 de março de 2016

Orçamento de Estado: algumas notas sobre a Educação

Gratuitidade dos manuais escolares e recursos didáticos no 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico (cf. art.º 127.º)
No início do ano letivo de 2016/2017 são distribuídos gratuitamente os manuais escolares a todos os estudantes do 1.º ano do 1.º ciclo do ensino básico. 
A distribuição dos manuais escolares é feita pelas escolas aos encarregados de educação, mediante documento comprovativo. 
Cada aluno tem direito a um único exemplar dos manuais adotados, por disciplina e por ano letivo. 
É criado um grupo de trabalho, por despacho do membro do Governo responsável pela área da educação, tendo como missão a definição de um programa de aquisição e reutilização de manuais escolares e recursos didáticos com vista a implementar progressivamente, no prazo da atual legislatura, a sua gratuitidade em toda a escolaridade obrigatória. 
O Governo define os procedimentos e condições de distribuição e recolha dos manuais escolares, bem como o alargamento progressivo aos restantes anos e ciclos de ensino da escolaridade obrigatória.


MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO DISPONIBILIZA NOVO ESPAÇO DE ESTATÍSTICAS SOBRE DIREITO À EDUCAÇÃO

O Ministério da Educação disponibiliza um novo espaço de dados estatísticos com indicadores nacionais na área dos Direitos Humanos, especificamente sobre o tema do Direito à Educação.

Os dados são disponibilizados na página internet da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC).

Este novo espaço de informação resulta dos esforços desenvolvidos por um grupo de trabalho, criado no quadro da Comissão Nacional de Direitos Humanos, que envolveu representantes de diversos Ministérios e organismos nacionais, no seguimento da 7.ª reunião plenária da Comissão Nacional para os Direitos Humanos, realizada em 15 de junho de 2012.

Foi então decidido que esta partilha de indicadores nacionais de Direitos Humanos seria um instrumento muito útil para os Estados cumprirem as obrigações de comunicação de informação aos órgãos dos Tratados das Nações Unidas.

O sítio Direito à Educação - agora disponibilizado em língua portuguesa e em língua inglesa – reúne, no mesmo espaço, indicadores de processo e indicadores de resultado em quatro das principais dimensões da Educação em Portugal: Educação Universal e Obrigatória; Acesso ao Secundário e ao Ensino Superior; Currículo e Recursos Educativos; e Oportunidades e Liberdade.

Tendo como objetivo facilitar a monitorização e a transparência do sistema, poderão ser encontrados, nesta nova área da DGEEC, indicadores tão variados como o número de crianças inscritas e de alunos matriculados/inscritos, taxas de escolarização, taxas de feminidade, taxa de abandono escolar precoce ou número médio de alunos por turma, entre outros.

O Ministério da Educação reforça assim a informação estatística disponibilizada à comunidade educativa e ao público em geral, garantindo decisões mais informadas por parte de professores, alunos e famílias e o reforço do direito de toda a sociedade a cada vez mais e melhor informação sobre a área da educação.

terça-feira, 29 de março de 2016

Educação pré-escolar é bem mais que a preparação para a escola

Um estudo agora divulgado desenvolvido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos com o apoio do Conselho Nacional de Educação analisou a relação entre a frequência do jardim-de-infância e o trajeto escolar dos alunos. O trabalho teve como base alguns dos dados do PISA.

Sem surpresa, os resultados estão de acordo com outros indicadores nacionais e internacionais, a taxa de retenção pelo menos uma vez até aos 15 anos para quem frequentou jardim-de-infância no mínimo um ano é de 29% enquanto para os alunos da mesma idade que não tiveram a experiência em educação pré-escolar a percentagem dos que reprovaram pelo menos um ano é de 46%.

Face a estes dados importa não esquecer que Portugal apresenta uma das mais altas taxas de retenção da OCDE.

É também de registar a subida muito significativa da população abrangida por educação pré-escolar embora a frequência ainda revele alguma assimetria social, em 2012, 94% das famílias com estatuto socioeconómico mais elevado colocavam os filhos em idade pré-escolar num estabelecimento de ensino enquanto nas famílias com mais baixo estatuto a taxa é de 80%.

Neste cenário é importante o movimento de universalização do acesso à educação pré-escolar iniciado pelo Governo anterior e assumida a sua continuidade e extensão pelo atual Governo. No entanto, como sabemos, em Portugal a universalidade em educação é entendida como algo indicativo e não imperativo pelo que certamente muitas famílias continuarão a experimentar sérias dificuldades na acessibilidade económica e física aos equipamentos de educação pré-escolar.

A alteração dos estilos de vida, a mobilidade e a litoralização do país, levam à dispersão da família alargada de modo a que os jovens casais dependem quase exclusivamente de respostas institucionais que ou não existem ou são demasiado caras. Portugal tem um dos mais elevados custos de equipamentos e serviços para crianças. Em resultado desta situação, muitas famílias carenciadas estão a sentir uma enorme dificuldade em manter as crianças a frequentar os estabelecimentos de educação pré-escolar como nos últimos anos tem sido referido por responsáveis de muitas instituições.

Sabemos todos, os dados agora divulgados vão também nesse sentido, como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, de pequenino é que ...

No entanto, gostava de chamar a atenção para um aspeto que me parece justificar alguma ponderação. Tem vindo a instalar-se uma pressão crescente para que as crianças realizem aprendizagens escolares mais cedo, logo no jardim-de-infância. A esta pressão para a antecipação das aprendizagens escolares soma-se a pressão para que atinjam desempenhos de excelência em múltiplas áreas.

Há algum tempo o Diário de Notícias fazia referência a um estudo realizado nos EUA, sugestivamente intitulado "O jardim-de-infância é o novo primeiro ano?", no qual se evidenciava que o que se esperava das crianças de 6 anos é hoje esperado, eu diria exigido, mais cedo.

Este movimento que causa algumas preocupações está também bem presente nas nossas comunidades educativas.

Na verdade, associada a mudanças nos padrões de vida, nos valores e às dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de forma discreta mas muito sólida em muitos pais, frequentemente acompanhados pelas instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho das crianças, a começar pelos resultados escolares. Dito de outra maneira, as crianças são cada vez mais pressionadas para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens.

Esta visão e, sobretudo, as suas potenciais consequências nas práticas desenvolvidas, comprometem desde logo o cumprimento dos objectivos e função da educação de infância que não deve ser vista como a “preparação para a escola” e, muito menos, como “o primeiro tempo de escola”. Esta perspetiva desvaloriza a verdadeira função e contém riscos para o desenvolvimento das crianças e, sim, também para o seu sucesso educativo e escolar.

A educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve enredar-se no entendimento de que é uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola.

Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escolar.

Este período, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, o melhor começo da formação institucional de cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo que virão a ser e a fazer no resto da sua vida.

Serão alunos quando chegarem à escola e vão muito a tempo de se tornarem bons alunos.

Até lá são crianças, ponto.

José Morgado

Professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada

Fonte: Público

Congresso Internacional ANEIS 2016 "Saberes Consolidados e Desenvolvimentos Promissores"

Entre os dias 13 e 14 de maio de 2016, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, vai decorrer o Congresso Internacional ANEIS 2016 "Saberes Consolidados e Desenvolvimentos Promissores" , que consiste num evento científico promovido pela Associação Nacional para o Estudo e Intervenção na Sobredotação - ANEIS.

Este congresso tem como objetivos:
- promover o intercâmbio entre investigadores e profissionais nas áreas do Ensino, Educação e Psicologia;
- apresentar e debater resultados de projetos de investigação e de intervenção educativa;
- aprofundar a multidisciplinaridade nas problemáticas educativas e nas Ciências da Educação;
- contribuir para a melhoria do sistema educativo formal e informal, e para a formação dos seus diferentes agentes. 

Destina-se a educadores e professores de todos os níveis de ensino, pais, psicólogos, académicos, investigadores, profissionais e estudantes das várias áreas das Ciências da Educação, Psicologia, Enfermagem, Medicina. 

Para efeitos de inscrição, consultar cartaz e brochura (em anexo) ou no website www.aneis.org.

Fonte: Recebido por correio eletrónico

segunda-feira, 28 de março de 2016

O bullying “é uma coisa para ser resolvida entre as crianças”

Vários tons de verde saltam à vista quando se entra na sala. Um pequeno grupo de crianças está de joelhos em cima de uma mesa a pintar dessa cor um manequim. Outras ajeitam no chão um grande laço, também verde, antes de o fotografarem. Não será necessário dizer qual a cor que escorre do pincel de Gonçalo Veloso quando o estudante de 17 anos dá as boas-vindas. Ele é o vice-presidente da Associação Anti-Bullying com Crianças e Jovens (AABCJ), criada em Braga no ano passado, e um dos membros mais ativos nas tarefas que os membros da associação definiram para aquela tarde.

Gonçalo anda acelerado, entre o rés-do-chão onde está a sala de trabalho e o gabinete no primeiro andar. É preciso colar molduras partidas, retocar manequins usados em exposições e ações de sensibilização e preparar as atividades dos próximos dias. Guarda, porém, uns minutos para apresentar o projeto da primeira associação de combate ao bullying criada em Portugal que envolve diretamente crianças e jovens. O trabalho associativo ensinou-lhe aquela que é uma das principais mensagens da AABCJ: os menores devem ter uma voz para se pronunciarem sobre um problema que os afeta diretamente. “Somos nós quem está dentro do fenómeno e o podemos detetar”, sublinha.

Fábia Dias, também com 17 anos, concorda: “Isto é uma coisa para ser resolvida entre as crianças”. Mas não da forma como os menores se habituaram a enfrentar problemas de violência em contexto escolar, alerta. Conta, por isso, um exemplo recente, que envolveu uma prima que teve problemas com um grupo de colegas de escola. “Noutra altura, ter-lhe-ia dito para pagar na mesma moeda”, diz. Neste momento, pelo contrário, dá como conselho aquilo que aprendeu na associação: o melhor caminho é denunciar a situação a um adulto, um funcionário da escola ou um professor, para que este ajude a resolvê-la.

Todas as quartas-feiras, ao final da tarde, a direção da associação reúne no espaço Nexus, em Braga. À entrada do encontro desta semana, três elementos transportaram as cadeiras que haviam de preencher a pequena sala de reuniões. Na ordem de trabalhos havia um conjunto de informações sobre as próximas atividades do grupo, que organiza inquéritos de opinião regular sobre bullying e outros tipos de violência e ainda ações de sensibilização, normalmente com um suporte artístico: peças de teatro, pintura, desenho, escultura. Ou música.

Na última reunião era preciso ultimar os pormenores para a gravação, marcada para o dia seguinte, do hino da associação, criado em parceria com o músico Hugo Torres. David Esteves, que devia fazer um rap numa das partes da canção, diz que talvez não consiga estar presente. Há alguma apreensão durante uns instantes, até que uma das crianças mais novas pede a palavra para sugerir uma solução: um amigo seu podia cantar essa parte.

Aqui toda a gente tem direito à palavra, independentemente da sua idade. Por exemplo, em abril, nas I Jornadas da Juventude Anti-Bullying de Braga, a primeira comunicação será feita pelos jovens que dirigem a associação. Não será uma estreia em eventos com caráter científico O departamento de investigação – que atualmente está a preparar um estudo de opinião sobre violência no namoro – é liderado por David Esteves, outro dos membros fundadores do grupo, que tem divulgado os dados recolhidos em congresso. Gonçalo Veloso já apresentou os resultados de um estudo de opinião sobre bullying conduzido há três anos num evento científico no Brasil.

Foi o “interesse em fazer alguma coisa em prol dos jovens” que levou Gonçalo a entrar na associação, conta o vice-presidente da AACBJ. A organização foi formalmente constituída em agosto passado, mas a sua origem remonta ao ano letivo 2008/2009. Nessa época, era o delegado da sua turma do 6.º ano, na Escola Básica 2,3 de Real – uma freguesia na periferia suburbana de Braga. Um caso de bullying entre os colegas levou a família de um dos envolvidos a transferi-lo de escola, o que acabou por despertar o interesse de Paulo Costa, que era o diretor de turma, pelo tema. Acabou por fazer um doutoramento sobre o assunto na Universidade do Minho – onde hoje é investigador do Centro de Estudos da Criança.

Não foi, todavia, apenas em termos académicos que Costa trabalhou o bullying nos anos seguintes. Aquela turma estudou, durante os três anos seguintes, o fenómeno da violência escolar e preparou ações públicas para fazer chegar o que aprenderam a outros colegas. Participaram em concursos, fizeram exposições e foram convidados para ir a escolas falar sobre o trabalho de sensibilização em que se tinham envolvido. Só este ano, já foram a 25 estabelecimento de ensino, de Viana do Castelo a Beja.

“No ano passado, percebemos que tínhamos trabalho suficiente para justificar a criação de uma associação”, conta Paulo Costa. O núcleo duro são esses antigos alunos da escola de Real, onde este professor de Educação Física continua a dar aulas, em paralelo com a atividade de investigação. A esse grupo inicial foram-se juntando, entretanto, outros associados. Atualmente, a organização reúne cerca de 200 pessoas e 23 crianças e jovens – a mais nova com 10 anos – fazem parte dos seus corpos sociais. E tem mais de 16 mil seguidores no Facebook, o que lhe permite chegar a escolas de Angola e Moçambique, com as quais estão neste momento a começar a ser construídas parcerias para novos projetos.

Quando são divulgados novos dados sobre o fenómeno do bullying ou algum caso particular é mediatizado, os membros da associação discutem o assunto entre si. Por isso, os resultados do estudo da Organização Mundial de Saúde sobre a adolescência, que foi conhecido há duas semanas, não são propriamente uma novidade para Gonçalo Veloso. De acordo com essa investigação, há crianças com 11 anos dizem ter sido alvo de bullying na escola “duas ou três vezes por mês nos últimos três meses”, numa percentagem que varia entre 11%, no caso das raparigas, e 17%, para os rapazes. A média em termos internacionais é 13%, pelo que Portugal tem a 16.ª taxa mais alta de alunos de 11 anos que se dizem vítimas do fenómeno.

Os números crescem quando o que está em análise é a percentagem de adolescentes que foram vítimas “pelo menos uma vez nos últimos dois meses” — ou seja, quando se procura aferir ataques menos frequentes por parte dos colegas: 34% dos alunos de 15 anos dizem ter sofrido bullying. Bem acima da média internacional de 23%.

São números “preocupantes”, avalia o vice-presidente da associação, mas “não propriamente surpreendentes”. “Qualquer pessoa que esteja ligada a um contexto escolar consegue perceber que, em todas as escolas, existem casos de bullying e que, muitas vezes, não são identificados”. A responsabilidade, muitas vezes, é das próprias escolas “que têm dificuldades em admitir” este tipo de ocorrências. “Têm que estar mais atentas”, concorda David Esteves, apontando uma possível solução: “Se for preciso meter mais funcionários a trabalhar na escola que o façam”.

Há, porém, também um lado de responsabilidades das famílias, defende o mesmo dirigente. Os pais “desvalorizam situações graves”, com a desculpa de que, quando tinham a mesma idade, viram acontecer coisas semelhantes. Essa é uma realidade inconcebível para David Esteves, que defende que não se pode “deixar que estes casos sejam vistos como algo normal”.

Fonte: Público

sexta-feira, 25 de março de 2016

O Governo vai criar um Grupo de Trabalho para melhorar o enquadramento legal da Educação Inclusiva

O Conselho de Ministros realizado no Dia Nacional do Estudante acolheu um pacote de medidas governativas que incidem sobre a Educação em todos os níveis de Ensino.

São cinco as medidas de política educativa nacional que o Conselho de Ministros adotou e que se inscrevem no quadro de concretização do Programa de Governo para a legislatura que cabe ao Ministério da Educação assegurar.

Sucesso escolar
1) Deu-se agora início ao processo de reflexão, auscultação e proposição que conduzirá à adoção de um Programa Nacional de Sucesso Escolar que enfrente simultaneamente os ainda preocupantes níveis de retenção e de desigualdade presentes no sistema educativo.
Este programa visa, portanto, reforçar o papel da escola, dos seus profissionais e da comunidade, das entidades formadoras, dos formadores e de outros agentes de intervenção comunitária na promoção do sucesso escolar e na valorização da aprendizagem, num esforço continuado de resposta a um dos mais sérios entraves ao progresso na qualificação dos portugueses e na redução das desigualdades.

Orçamento participativo
2) No Dia do Estudante do próximo ano os estudantes (do 3.º ciclo do básico e do secundário) passam a decidir o destino para a aplicação de uma verba adicional ao orçamento executado na sua Escola.
O Orçamento Participativo na Escola cria um mecanismo que permite aos estudantes envolverem-se ativamente na melhoria das vivências ou dos processos de aprendizagem que se desenvolvem localmente.
Promove-se assim o espírito de participação e de cidadania dos estudantes, valorizando a sua opinião em decisões que os afetam diretamente. Ao mesmo tempo estimulam-se as suas escolhas responsáveis, a sua familiaridade com os mecanismos do voto e a sua participação na concretização da execução das escolhas efetuadas.

Formação de adultos
3) São desafios fundamentais para este Governo a melhoria das formações e qualificações dos Adultos, o ajustamento com as necessidades do mercado de trabalho e a aposta em qualificar percursos de formação, das competências básicas e transversais às competências digitais.
Neste quadro, é necessário desenvolver, em parceria com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, um programa integrado de educação e formação de adultos que relance esta prioridade do País.
Este programa deverá assentar numa maior integração das respostas na perspetiva de quem se dirige ao sistema, tornando, na ótica do formando, coerente e unificada a rede e o portefólio dos percursos formativos, que no percurso individual devem ser passíveis de combinação personalizada.

Educação inclusiva
4) Portugal subscreveu, e bem, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006.
Embora tendo feito um notável percurso nesta área, importa assegurar o aperfeiçoamento e a dimensão estruturante da designada Educação Especial.
Assim, o Ministério da Educação, em parceria com o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e com o Ministério da Saúde, cria um Grupo de Trabalho com a missão de melhorar o enquadramento legal da Educação Inclusiva, adequando-a às reais necessidades educativas especiais dos alunos.

5) Os alunos do ensino não superior vão ter o seu «suplemento ao diploma», que valorizará e certificará todas as atividades educacionalmente relevantes que o aluno realiza, em contexto escolar, sejam de formação para a cidadania, de artes ou desporto ou ainda a sua participação em órgãos de gestão e atividades de associativismo juvenil e estudantil.
A aposta numa escola pública com qualidade passa, pois, por reforçar o enriquecimento do currículo em todos os domínios, da dimensão pessoal e social ao mundo dos conhecimentos, de forma a garantir a inclusão e o progresso escolar dos alunos.

Parcerias
Adicionalmente, e porque a Educação não se realiza sem parcerias com os outros setores da Governação, são agora concretizadas pelo Ministério da Educação dois protocolos com as áreas da Saúde e da Economia que acrescentam dimensões à educação e formação dos nossos alunos.
A primeira visa assinalar a importância da sensibilização dos jovens para as diferentes questões da saúde e, em linha com a concretização das políticas de reforço das componentes formativas não curriculares, o Ministério da Educação, em parceria com o Ministério da Saúde, conferirá aos alunos que frequentem o 10.º ano de escolaridade a possibilidade de frequentarem ações de formação em Suporte Básico de Vida.
A segunda mostra como o Ministério da Educação está bem consciente de que o Ensino Profissional merece ser complementado com formação em ambiente de aprendizagem profissional.
Deste modo, numa parceria com o Ministério da Economia, o Ministério da Educação promove o acesso dos estudantes do Ensino Artístico a uma dimensão prática e em contexto real da aprendizagem que fazem em contexto escolar, contribuindo para a animação turística nas nossas cidades, num programa intitulado Arte na Rua.

O Ministério da Educação acredita que os símbolos têm, em política, uma importância bem para além do dia que simbolizam.
Essa importância é acrescida quando, para lá do significado que esses símbolos transportam, se traçam objetivos, calendários de execução, protagonistas e destinatários claramente identificados.
É este o caso dos instrumentos através dos quais o Governo decidiu hoje mostrar o relevo que confere à Educação.

Fonte: Ministério da Educação


Diferença: o único tamanho que serve a todos

Lembro-me muitas vezes da frase que está escrita na etiqueta dos bonés do “estilo americano” que avisa: “One size fits it all.” Com uma solução simples e inteligente, estes bonés podem assumir diferentes tamanhos de forma a se adequarem ao perímetro craniano de qualquer dos seus utilizadores. A ideia de ter um dispositivo que possa adequar cada utensílio a todos os seus possíveis utilizadores é muito engenhosa. Engenhosa, antes de mais, porque todos os sistemas que procuram respostas normalizadas para situações distintas acabam por se tornar irracionais e dispendiosos. Regressando ao exemplo dos bonés, se produzíssemos bonés, por exemplo, de três tamanhos, sempre haveria pessoas para quem um tamanho estaria pequeno e o tamanho a seguir estaria grande demais. Para além disso, não é provável que se produzissem os bonés necessários para satisfazer exatamente a procura (talvez sobrassem unidades de um tamanho e faltassem de outro...). O desafio é, pois, encontrar, mais do que respostas padronizadas para cobrir toda a gama da diversidade, respostas flexíveis e dúcteis para se adequarem a situações muito diversas.

Este desafio é particularmente acutilante para pensarmos a escola de hoje. A herança que temos não é muito boa no que respeita à diversidade: durante muitos e muitos anos a escola desempenhou um papel de criadora de homogeneidade e de transmissão de conhecimento. Como se sabe, em muitos países, o nascimento da escola pública, gratuita e laica teve um papel determinante na constituição dos Estados-nação, isto é, na construção de Estados (entendidos como organização política) que correspondessem a uma nação (entendida como uma identidade coletiva). Para que este objetivo fosse conseguido recorreu-se à escola, que oferecia uma cultura padronizada e reprodutível o mais fielmente possível em todo o território. E, se olharmos para este percurso, vemos como as escolas se espalharam por todo o território com uma arquitetura igual, com currículos nacionais, exames nacionais, etc. Não é, pois, muito brilhante a nossa experiência em diversidade nas escolas.

O certo é que estes valores mais tradicionais da escola estão numa insustentável crise. Hoje sabemos, e muito bem, que não é negociável ir ou não ir à escola, sabemos que é socialmente injusto não educar todos os alunos e sabemos também que a cadência das mudanças, na sociedade, nos alunos, nos professores e nas famílias nunca foi tão elevada. Trata-se de necessidades totalmente novas e, portanto, não é intelectualmente sério fazer a apologia dos valores e das práticas da escola “de antigamente” para procurar resolver os problemas da escola de hoje. Qualquer tentativa de regressar à disciplina, às formas de ensinar, aos conteúdos, à organização da escola tradicional seria um anacronismo infeliz. A famosa máxima do “back to basics” não é mais do que “back to injustice”.

A questão agora é como pode a escola ser diferente e organizar-se diferenciadamente. E, nesta matéria, há um campo muito estimulante de debate.

Antes de mais, muito já foi feito. Dizer que nada mudou em educação é uma miopia semelhante à que afeta as pessoas que dizem que a escola já mudou tudo o que precisava de mudar. É fácil evocar exemplos: a escola está muito mais aberta para desenvolver atividades à volta do currículo (clubes, projetos, etc.), a escola está, por outro lado, muito mais rápida a reagir ao que se passa fora dela. Mas muito há ainda por fazer. Ainda encontramos com muita frequência modelos escolares que precisam de “meter os alunos em caixinhas” de categorias para os poderem entender e educar. E vejamos: um aluno ou está no currículo “normal” ou está num currículo “alternativo”; ou está na Educação Especial ou não está, ou frequenta um ano ou o outro. Tantas vezes ao falar com professores eles nos transmitem que deploram não poderem ter uma organização da escola que lhes permita responder de uma forma personalizada às necessidades dos alunos. Precisamos, pois, de uma escola que motive, que aponte, que sustente e inspire os percursos dos alunos de uma forma muito mais diferenciada e flexível do que a nossa presente organização de turmas, de vias, de “anos”, de currículos e de critérios de sucesso.

Dir-se-á: mas... será possível? Será possível uma outra escola organizada em modelos que respeitem os ritmos e os percursos dos alunos? Milhares de pessoas durante centenas de anos pensaram, sonharam e previram a justiça e a necessidade de encontrar outra organização para a escola. Uma organização que respeite as diferenças sem esquecer que o florescimento das diferenças é o melhor contributo que podemos dar para um progresso social fraterno. Permitir e encorajar percursos diferentes e exigentes na escola é certamente o melhor incentivo para que cada pessoa possa encontrar o seu lugar de participação, de contribuição para uma sociedade que, ela própria, precisa de se renovar e de se pensar como um mundo que sirva a todos.

David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação especial, Conselheiro Nacional de Educação

Fonte: Público

Formação "Na Escol@ e Depois da Escol@"

A Pró-Inclusão, em parceria com a Associação Pais em Rede e o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, vai realizar um Curso de Formação Nacional entre abril e novembro de 2016, em diversas cidades do norte a sul do país.



Para mais informações e inscrições, contactar:
Pró-Inclusão - Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Quinta da Arreinela de Cima, 2800-305 Almada
Tm - 927138331 / 964502105

quinta-feira, 24 de março de 2016

CRID/IPLeiria faz adaptação de livros para braille em iniciativa pioneira no País

O Centro de Recursos para a Inclusão Digital do Instituto Politécnico de Leiria (CRID/IPLeiria) lança em Leiria uma iniciativa pioneira no País, em parceria com a Câmara Municipal, que visa adaptar para braille, mensalmente, uma obra literária que integrará o acervo da Biblioteca Afonso Lopes Vieira, e aí ficará disponível permitindo que a população cega a requisite. O projeto integra a iniciativa mensal da Câmara Municipal de Leiria “Leiria Convida”, que recebe um escritor para apresentar a sua obra.

“Desnorte” de Inês Pedrosa é o primeiro livro a integrar esta coleção, (...), que decorre excecionalmente na Feira do Livro do município. Célia Sousa, coordenadora do CRID/IPLeiria garante que esta é «uma iniciativa única e pioneira a nível nacional, que terá uma periodicidade regular e permitirá que obras que todos conhecemos possam chegar a públicos diferentes, recorrentemente privados de as lerem».

Fonte: Recebido por correio eletrónico

quarta-feira, 23 de março de 2016

A palhaçada

Segundo a Rádio Renascença, o diploma que instituía o modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico poderia ser vetado. Para o evitar, Governo e presidência da República, leia-se Tiago Rodrigues e Isabel Alçada, terão negociado um regime transitório, que assenta na não obrigatoriedade das provas de aferição e na possibilidade de ressuscitar os exames dos 4.º e 6.ºanos, ainda que sem contarem para classificação.

O que de mais generoso me ocorre para qualificar este quadro cobarde, gerador de confusão e instabilidade, caracterizado por três modelos de avaliação num mesmo ano letivo, três, é que se trata de uma deriva de irresponsáveis. A ser verdade o que disse a Renascença, como pode ter passado pela cabeça do Presidente da República vetar um diploma que, por mais sem sentido que fosse (e era) não feria nenhuma disposição da Constituição e leis correlatas? Como entender que Marcelo presidente passe a vetar normativos de governo, porque Marcelo, comentador, os criticou?

E porquê cobarde? Porque uma decisão que deveria ser da exclusiva responsabilidade do Governo acaba, farisaicamente, entregue às escolas. Em dois meses, haverá escolas que, com aulas, reuniões e férias pelo meio, irão conceber e fazer os exames que a estrutura do IAVE, profissional, especializada e em tarefa exclusiva, faria num ano inteiro. Umas escolas terão provas, outras não. Uns alunos farão exames, outros não. A cascata das legítimas discordâncias sobrará para as escolas. Porque um ministro imaturo brincou às democracias e às autonomias com uma ex-ministra, perita em acordos envenenados.

Vimos o que nunca deveríamos ter visto. Os exames foram abolidos, já quase a meio do ano letivo, com os votos dos deputados do PS, na manhã seguinte à tomada de posse do governo do PS, cujo programa não continha tal medida. No primeiro debate em que participou como primeiro-ministro, António Costa, desconhecendo o programa do seu próprio governo, afirmou que o exame do 6.º ano não estaria em causa, para ser desmentido, dias depois, pelo ministro da Educação.

Estamos todos lembrados do modo precipitado e arrogante que pôs fim aos exames, contra o parecer de muitos, Conselho Nacional de Educação e Conselho de Escolas incluídos. Coisa nociva para o sistema, a exterminar, por isso, com urgência, dizia o ministro em janeiro passado. E agora podem ser feitos nas escolas que o decidam?

É patética a invocação da autonomia da Escola para justificar esta palhaçada já que, no mesmo momento, o ministro lhe anuncia o fim para daqui a uns meses. Isto é, glória suprema, a autonomia das escolas, agora, decide. Mas no próximo ano letivo já decidiu ele, pensem as escolas o que pensarem. Melhor tributo à hipocrisia não podia ser prestado, para não falar da permanente incerteza introduzida no espírito das crianças e das suas famílias e no planeamento do trabalho das escolas e dos seus professores.

Mas o desconhecimento e o amadorismo de quem governa estão patentes noutros acontecimentos.

Em rigor, os exames de Cambridge não desapareceram. Apenas foram suspensos.

A PACC não desapareceu. Apenas foi subtraída como requisito de concurso. Continua firme no Estatuto da Carreira Docente, todo ele, aliás, intocável. Como se não fosse algo que um ministro conhecedor e um partido respeitador da profissão docente não tivessem que refazer com urgência máxima.

A revisão da legislação sobre concursos (DL n.º 9/2016, de 7 de Março) é desoladoramente pobre em substância e indigente em fundamentação. A forma usada para remover a Bolsa de Contratação de Escola (BCE) suscita um receio legítimo: a eliminação parece ser simplesmente temporária, isto é, cosmética agora, mais do mesmo em breve. Com efeito, se por um lado se invoca a morosidade e complexidade operacionais para extinguir, exprime-se, por outro, a intenção de recuperar, no futuro, o modelo que tornou a BCE um instrumento de impensáveis dislates e odiosas injustiças. Basta ler o diploma.

A norma-travão, que mais não foi que um expediente usado pelo anterior governo para tornear a Diretiva 1999/70/CE, de 28 de junho, da Comissão Europeia, venceu e persiste. Assim, continua a impor a entrada nos quadros de todos os professores que tenham cinco contratos de trabalho, anuais, completos e sucessivos, quando a diretiva citada e a nossa lei do trabalho estipulam três. E apenas se aplica a partir da data em que foi instituída, deixando de fora os muitos docentes que, em períodos anteriores, cumpriram os requisitos.

Os mecanismos de recondução e renovação automática de contratos, isentos de concurso, instrumentos que derrogam liminarmente a justiça, a equidade e a Constituição (art. 47.º, 2) resultaram incólumes. Assim, ao rigor e à transparência, PS e Tiago Brandão Rodrigues preferiram a tômbola e as águas turvas.

Santana Castilho

Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)

Fonte: Público

terça-feira, 22 de março de 2016

Os desafios do autismo na idade adulta

Bruno toca piano e faz teatro. Monólogos de dez minutos, "uma quantidade de texto que para qualquer um de nós seria dificílimo decorar", segundo a mãe, Felismina Viana. Também faz voluntariado, a verificar as datas de validade dos produtos doados e armazenados no banco alimentar. Não há número a ganhar bicho que lhe escape. E preocupa-se com os outros: "as validades são muito importantes, porque aquilo pode ser perigoso", diz numa cadência muito própria por via do síndrome de Asperger, que lhe foi diagnosticado em miúdo. Ainda mal falava mas já conhecia as marcas dos carros e as matrículas todas do bairro, além de ter uma tendência para o isolamento que alertou os pais para "qualquer coisa que não estava bem". Hoje Bruno tem 31 anos, um curso de informática, outro de teletrabalho, e apesar da prodigiosa memória e da capacidade de desempenho, nunca conseguiu arranjar trabalho. 
Em Portugal, aproximadamente uma em cada mil crianças nasce com uma perturbação do espetro do autismo. Destas, um quarto sofrem de um défice moderado, conhecido como autismo altamente funcional ou síndrome de Asperger, que se manifestará sobretudo numa desadequação comportamental e social. Irão estudar, poderão ir para a faculdade e especializar-se mas dificilmente terão a autonomia de um adulto. "As questões comportamentais hipotecam quase sempre as suas capacidades", reconhece Piedade Líbano Monteiro, diretora da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger e mãe de um jovem com uma perturbação do espetro do autismo de 21 anos. 

O emprego 

A família de Bruno vivia na Amadora mas mudou-se para as Caldas da Rainha à procura de um ambiente que proporcionasse ao filho mais liberdade. "Eles são muito honestos, dizem tudo o que pensam. Se ele vir um sinal de ‘propriedade privada’ no meio de um monte não o passa de forma nenhuma e ainda é capaz de chamar a polícia se me vir a passá-lo! Está a ver o que era ele andar na rua sozinho numa grande cidade e sair-se com qualquer coisa que não caísse bem… se não percebessem que ele tinha um problema… facilmente podia arranjar sarilhos", justifica a mãe, que perdeu a conta aos currículos do filho que enviou, inclusivamente para empresas com tradição na inclusão de pessoas com deficiência e nunca obteve qualquer resposta. 
A família desdobra-se em soluções para o manter ativo, que vão do desporto, à música, passando pelo voluntariado, mas nenhuma resolve a questão da autossustentabilidade. Como será quando os pais partirem? "Já pensámos abrir um café, pois ele também daria conta do recado, certamente. Talvez um café-teatro... enfim. Ideias não faltam, mas sim apoios", confessa Felismina. Claro que Bruno não poderia enfrentar sozinho esta etapa. Teria de seguir, por exemplo, as pisadas de Nuno Quintas, 25 anos, a trabalhar desde 2010 num dos postos de abastecimento da Repsol, uma das poucas empresas em Portugal com um programa de emprego apoiado para deficientes. "Nós acompanhamos e ajudamos as empresas na inclusão destes funcionários. Através de nós, a empresa também aprende a lidar com eles: a dirigir ordens de forma clara, a rotinar as tarefas, coisa que é muito importante para estas pessoas", explica Piedade Líbano Monteiro. Quando resulta, a maioria dos empregadores reconhece neles "funcionários exemplares". São "muito rigorosos e focados nas tarefas, não pedem para sair mais cedo, não pedem aumentos e geralmente fazem o seu trabalho num terço do tempo", avisa Isabel Continelli Telmo, presidente da Federação Portuguesa de Autismo. Por isso, ninguém por ali se admira que Paulo Silva, o chefe de Nuno no posto de abastecimento da Segunda Circular, em Lisboa, diga sem hesitações: "ele é exemplar. Cumpre de forma rigorosa todas as suas tarefas e quando falta… faz falta". No início, Paulo ficou apreensivo quando lhe disseram que ia ter um jovem com síndrome de Asperger na sua equipa. "Sobretudo porque desconhecia. Mas informei-me o melhor que pude e as coisas correram bem. O Nuno chega até a receber prémios de produtividade e tem o mesmo grau de responsabilidade de qualquer outro aqui", acrescenta o chefe. Nuno vem todos os dias da sua casa, na Margem Sul, de transportes para a bomba da Segunda Circular. Se houver uma greve ou perder uma ligação, parte facilmente para o plano B, nem que seja apanhando um táxi. Chegar atrasado é que está fora de questão, até porque estar a trabalhar fá-lo feliz: "Gosto de fazer as minhas funções para ajudar os meus colegas. Trabalhar é importante", remata o rapaz de poucas falas, mas que tem um curso de design e que sonha um dia sair de casa dos pais e ter uma namorada. Já esteve apaixonado, como qualquer rapaz da sua idade. Mas o Asperger é implacável no loto da correspondência no amor: "já passeamos... fomos até à praia. Mas somos só amigos". Por agora, Nuno assegurou em grande parte a sua subsistência, algo vedado à grande maioria dos portadores de síndrome de Asperger. O subsídio para deficientes pode chegar aos 400 e poucos euros mas depende do IRS do agregado familiar e do próprio beneficiário. "Se arranjar emprego uma vez, mesmo que seja apenas um estágio com termo certo, perde o subsídio para sempre", explica Piedade. "Fala-se tanto da inclusão, é uma palavra tão bonita e, no entanto… trabalhar é um direito de qualquer um de nós", lamenta. 
Em Portugal existem perto de duas dezenas de autistas empregados, mas muitos mais que estão preparados para desempenhar um ofício. "A questão não é quantos autistas estão a trabalhar mas sim quantos mais poderíamos colocar num posto de trabalho. Muitos deles têm capacidades fantásticas, mas é preciso que as empresas também aprendam a lidar com eles. Mesmo com o apoio que a associação empresta aos empregadores não há muitos interessados", lamenta Isabel Cotinelli Telmo, que além de presidente da FDA é mãe de um adulto autista com 51 anos. Mas para a mãe de Nuno, o rapaz da bomba da Repsol, esta foi uma grande vitória, apesar do emprego ser apenas um dos grandes desafios que um autista enfrenta na idade adulta. "Claro que há outras coisas que me preocupam. A sexualidade, por exemplo, já me preocupou mas depois de ir a uma conferência sobre o tema fiquei esclarecida". Até porque já sentiu o filho apaixonado: "E a fasquia deles é sempre muito alta!", diz entre risos. "Felizmente, tenho contado com a ajuda dos amigos. Ao contrário de muitos autistas, o Nuno tem um grupo de amigos que o acompanha desde a escola primária. É com eles que sai, que viaja e que fala também dessas questões. Claro que me preocupo quando chega às cinco da manhã, quando se atrasa, com o futuro, porque um dia não estaremos cá… mas cada coisa a seu tempo", diz a mãe. 

Para a vida 

"O autismo é para toda a vida. Sendo um defeito genético, não tem cura nem é possível reverter os sintomas na idade adulta. No entanto, alguns conseguem um alto nível de funcionalidade, trabalhar e, em casos mais raros, viver sozinhos, mas são poucos e tem de haver sempre um grande acompanhamento, porque eles podem esquecer-se de coisas tão básicas como pagar o IMI ou a conta da eletricidade. Nunca terão o grau de autonomia de outro adulto, apesar das suas capacidades cognitivas. Quando vivem a experiência de namoro, são geralmente casos muito acompanhados pelos pais em que geralmente o outro também é autista. Podem sentir mais empatia com este ou aquele, mas às vezes está cada um no seu mundo, focados nos seus próprios interesses. No entanto, a companhia não deixa de ser salutar, como para qualquer pessoa. A sexualidade é uma questão que não se põe com frequência, até porque a grande maioria dos autistas tem uma certa intolerância ao toque", afirma o psiquiatra Carlos Filipe. David Rodrigues, 28 anos, foi um dos tais (poucos) que saiu de casa. Não para viver sozinho – porque não gosta de "sentir a solidão", garante – mas para casa de um irmão. David pinta, faz exposições e vai vendendo muitos dos seus quadros. Na maior de todas as mostras em que participou, no Casino Estoril, conseguiu vender três telas, somando um proveito de quase mil euros, que chegou para o encher de "orgulho" e que pouco depois depositou numa loja de informática e noutra de bandas desenhadas. Define-se como "um artista", mas quando não está dedicado à sua arte faz as tarefas que qualquer outro adulto maior e responsável tem de assumir. Lava a roupa, faz comida, limpa. O caminho para a autonomia foi conquistado ao pormenor, passo a passo, ao lado dos técnicos da APSA – Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger. "A APSA é apenas um sítio de passagem, não uma casa para eles morarem até ao fim da vida. Aqui trabalham-se competências e autonomias. Trabalhamos com eles lá fora, no terreno, dentro de casa, na rua, para os preparar: andar de transportes, as tarefas domésticas, que para os outros são adquiridas naturalmente, para eles têm de ser treinadas e rotinadas "; afirma Patrícia Sousa, diretora técnica da Casa Grande (APSA). O que para os filhos dos ‘outros’ é normal, para estes jovens adultos, é um desafio enorme. 

Autonomia 

A preparação para a autonomia tem, por isso, de começar muito cedo, ainda na infância. "O que em Portugal é complicado porque não existe uma linha de continuidade a nível do ensino, ou da formação profissional e muito menos na integração no mercado trabalho. Finda cada etapa, há sempre uma grande barreira a seguir. E o que lhes resta após completarem os estudos? Ficarem em casa a deprimir? E quando os pais não estiverem cá?", questiona Piedade. 
A falada autonomia, no autismo, tem os seus limites. "Legalmente, tudo lhes é permitido. Podem votar, por exemplo. Podem herdar, se as famílias não optarem pela inabilitação mas embora alguns possam aprender a ser autónomos no quotidiano, nunca atingirão o patamar de saber gerir as suas finanças, por exemplo", adverte Piedade Libano Monteiro. A legislação portuguesa enuncia que um vínculo de parentesco não legitima familiares a assumir decisões financeiras, de gestão de bens e negócios relativamente à pessoa deficiente, salvo se a família pedir em tribunal o estatuto de inabilitação. Quando isso acontece, em caso de morte dos pais, o Ministério Público deverá nomear um curador/tutor. "O ideal, e penso que irá caminhar-se nesse sentido no futuro, é existir uma tutoria que acompanhe estes jovens na sua própria casa. Uma equipa que identifique os casos por área geográfica, por capacidades do indivíduo e que depois o acompanhe, que pague as contas, que lhe marque as consultas...". E que respeite a misteriosa e singular lente do autismo 

Fonte: CM

As escolas não são fábricas de exames



A decisão do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, de permitir que este ano as escolas do ensino básico decidam se querem ou não realizar as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos foi apresentada pelos partidos da direita e pelas organizações que lhes são próximas como um “recuo” do ministro e um fator de instabilidade para as escolas. A presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, aproveitando a oportunidade para um gesto de combatividade política veio por seu lado declarar-se não apenas “perplexa”, nem apenas “estupefacta”, mas simultaneamente “perplexa e estupefacta” com a decisão do ministro. É não perceber o que é a educação, o que é grave para uma dirigente partidária que, por acaso, é professora.

O que está a acontecer relativamente às medidas que o governo do PS adotou quanto aos exames merece comentário. Antes de mais, o anúncio do fim dos exames de 4.º e 6.º ano mereceu um ataque em regra de toda a direita, com os argumentos de que se estava a “voltar atrás” na política educativa. Os argumentos apresentados foram de enorme pobreza em termos intelectuais mas não deixaram por isso de ser largamente repetidos. De facto, o que é importante em relação a uma medida política é avaliar da sua bondade e não avaliá-la segundo anule ou esteja em conformidade com a política anterior. Eliminar uma medida errada e injusta é, como é evidente, positivo, e foi isso que aconteceu. O ministério da educação de Nuno Crato, de má memória um e outro, tinha o fetiche dos exames. Crato sempre acreditou que os exames possuíam um efeito mágico a montante sobre a melhoria do sistema educativo e que as reprovações eram um sinal de “exigência”. Estava e está no seu direito de o pensar, mas a verdade é que esta ideologia onde a educação se faz pela seleção dos alunos e pela sua exclusão, feita com um forte pendor de classe, é fortemente condenada pela esmagadora maioria dos especialistas de educação. Foi por isso uma boa medida pôr fim a estes exames - na linha do que faz a maioria dos países desenvolvidos - e é uma boa medida tentar fazer evoluir a escola no sentido em que haja cada vez menos (ou nenhum) aluno a chumbar e onde a escola assuma, acima de tudo, a função de educar todos os alunos e não de deitar para o lixo os menos capazes. As retenções não ajudam os alunos a aprender. E, quando os exames servem apenas para escolher os alunos que irão chumbar, também não contribuem para o processo educativo.

Quanto às provas de aferição, é secundário saber se o ministro recuou ou não e não custa admitir que tenha recuado. A questão é que, se recuou, não recuou na substância da coisa (criação das provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º e sua entrada em vigor já este ano) mas apenas adaptou a sua entrada em vigor aos desejos das escolas ao torná-las facultativas este ano e obrigatórias no próximo ano letivo. Se é um recuo é um recuo sensato, que não põe em causa nem a viragem que se pretende na educação, nem o programa do governo nem a estratégia do ministro. É caso para dizer à direita que pode levar a bicicleta - mas que se deveria preocupar com as matérias substantivas da política e não com a contabilidade pueril dos supostos recuos.

O argumento mais “sólido” contra os exames de aferição é, porém, o argumento da “instabilidade” que a decisão do ministro teria vindo introduzir nas escolas e nas famílias. É aqui que se percebe a dimensão do mal que o ministério de Crato veio instilar nas escolas.

Primeiro, foi o facto de os exames do 4.º e 6.º terem sido abolidos e de as escolas, que estavam a “preparar os seus alunos” para os exames, terem visto as suas expectativas frustradas e de as famílias, que também “preparavam os seus filhos” para os exames, terem visto essa tarefa de súbito esvaziada de sentido.

Ora, a questão de fundo é que as escolas não existem para “preparar alunos para os exames”, nem a educação consiste em “preparar alunos para exames”. O que a escola deve pretender é, acima de tudo, formar cidadãos e oferecer-lhes uma educação que lhes estimule a curiosidade e o gosto de aprender e lhes permita desenvolver e aplicar os seus talentos em múltiplas circunstâncias e não apenas no dia do exame. Quando a escola se transforma num sistema de preparação para exames e visa não a educação dos alunos mas a obtenção de notas num exame não está a fazer todo o seu papel e descura a parte essencial desse papel.

Da mesma forma, as provas de aferição não exigem qualquer preparação especial, quer por parte das escolas quer por parte das famílias e dos alunos - é é por isso irrelevante, para os alunos, se elas vão ou não ter lugar este ano numa dada escola. As provas de aferição poderiam até, em rigor (se não fosse pelos aspetos logísticos que envolvem), ser feitas de surpresa, em datas tiradas à sorte, já que o seu objetivo é avaliar a qualidade do ensino dispensado por uma dada escola, para o melhorar, o que até recomenda que os alunos não possuam nenhuma preparação especial e se encontrem, tanto quanto possível, no seu “estado natural”. A noção de “preparar os alunos” para uma prova de aferição não tem qualquer sentido.

Por José Victor Malheiros

Fonte: Público

segunda-feira, 21 de março de 2016

Menos alunos por turma "tem de ser uma medida pedagógica e não administrativa"

João Costa esteve no Fórum da TSF, onde explicou que diminuir o número de alunos por turma, por si só, não resolve os problemas. "Tem de ser uma medida pedagógica e não meramente administrativa".


O governo está a preparar um plano nacional de combate ao insucesso escolar e quer dar autonomia às escolas para que estas possam definir as suas estratégias. 

O secretário de Estado da Educação admite que a indisciplina é um problema grave, mas não vê na redução do número de alunos por turma a solução para a totalidade desta questão.

O governo admite que está a estudar a redução, mas o principal objetivo é atuar preventivamente. João Costa não se compromete com nenhuma data nem com fundos para a entrada em vigor do plano nacional de combate ao insucesso escolar. O executivo espera agora pelas propostas que as escolas possam fazer.

Fonte: TSF por indicação de Livresco