sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Inclusão pela arte perdida

A Orquestra Orff Eleutério de Aguiar, o Grupo Ser Mais Teatro (iniciação ao Teatro) e os grupos de Dança em formação do Projeto Asas acabaram no ano passado, depois de ter desaparecido em 2012 da orgânica a Direção Regional de Educação Especial. O futuro do Grupo de Mímica e Teatro (GMT) Oficina Versus - o único que se mantém - também é incerto, embora continue a atividade agora através do Teatro Experimental do Funchal. É possível vê-lo em cena numa produção partilhada, o ‘Quasímodo - O Corcunda’, que tem a última apresentação sábado às 18 horas.

O Projeto Oficina Versus surgiu em 1989 na Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação para ajudar a veicular a prática das Artes e o acesso à cultura das pessoas com necessidades especiais, como um espaço onde crianças e adolescentes adultos com deficiência tivessem oportunidade de exercitar a arte nas suas diferentes expressões e assim se construírem como pessoas e socialmente. Quando o projeto foi iniciado, a convite do então diretor regional de Educação Especial Eleutério de Aguiar, havia apenas expressão plástica. O projeto foi considerado inovador, tendo contado com o apoio de Pierre Van Hauwe, um experiente pedagogo.

Primeiro foi a orquestra, depois os grupos de teatro e mais tarde os de dança. Ao longo de mais de duas décadas e meia o projeto inclusivo proporcionou experiências e projetos diversos, vinculou grupos, atividades, produção de espetáculos e eventos, no âmbito das diferentes linguagens artísticas, entre música, expressão musical e dramática, teatro, artes plásticas, dança e terapia pela arte. Dele saíram vários grupos, entre eles o Dançando com a Diferença, o GMT Oficina Versus e a Orquestra Eleutério de Aguiar, que acabaram por ser a face mais visível deste conjunto, que foi criado não com o propósito de criar espetáculos, antes de trabalhar as competências individuais, mas que acabou por engrossar a oferta cultural.

Os grupos do Projeto Oficina Versus Integraram o SAC (Serviço de Arte e Criatividade), depois a DAC (Divisão de Arte e Criatividade) e mais tarde o NIA (Núcleo de Inclusão pela Arte), as diferentes designações que a arte inclusiva na Madeira assumiu e foi com esta última designação que entre 2012 a Julho de 2016, sob a direcção artística e coordenação de Ester Vieira, esteve integrada na DSEAM (Direção de Serviços de Educação Artística e Multimédia). Esta integração aconteceu na mudança de legislatura quando desapareceu da orgânica, a Direção Regional de Educação Especial e Reabilitação.

Agora, com a passagem dos adultos com necessidades especiais dos Centros de Atividades Ocupacionais (CAO) da Secretaria Regional de Educação para a de Inclusão e Assuntos Sociais, foi o fim. “Nesta mudança e por falta de elaboração de protocolos de cooperação, os utentes dos CAO, desertaram os grupos artísticos no NIA, tornando inativos alguns dos grupos”, lamenta Ester Vieira, que tentou manter o GMT Oficina Versus, mobilizando-o para a Associação TEF. “Do vazio de orientação e com muitas mudanças ainda em curso (designadamente a criação do Instituto das Artes), o GMT Oficina Versus foi autorizado a residir temporariamente na ATEF, embora protegido pela parceria estabelecida entre a ATEF e a SRE, garantindo assim algumas das condições da continuidade do grupo - a utilização do espaço físico habitual, a utilização do espólio de equipamentos existentes e apoio logístico diverso, por parte da DRE”.

O Dançando com a Diferença saiu antes de tudo isto. Esteve no NIA de 2001 a 2007, constituindo-se a partir dessa data em associação com gestão autónoma. Não tomou o mesmo caminho o GMT Oficina Versus, que resultou da evolução dos grupos iniciais de Expressão Dramática, da junção do grupo de Teatro com o grupo de Mímica, formado exclusivamente por crianças e jovens surdos. A partir de 2001 assumiu um conceito de Teatro Inclusivo, com base num elenco misto, formado por pessoas com e sem necessidades especiais. Mas também ele pode ter os dias contados se uma solução que garanta o futuro não for encontrada.

Ester Vieira acompanhou a inclusão pela arte desde o início. “Isto aqui houve um decepar muito triste”, lamenta. A Orquestra e os grupos de expressão dramática deixaram de funcionar no ano passado. “Houve ali uma certa ambiguidade orgânica com a saída dos adultos para a Segurança social e foram-se criando ali dificuldades diversas de logística e de visão. Isto houve aqui uma falta de visão no sentido de reconhecer o projecto e o seu caminho. E quem perdeu foram de facto os grupos, a iniciação ao teatro, a orquestra, os grupos que se começavam a formar também ao nível da dança”.

“Estávamos a tentar crescer. Mas cada vez que vem uma mudança, uma mudança de legislatura, há mudanças de planos, não é? E eu penso que não é preciso dizê-lo, eu pendo que está à vista. Nem vou tecer considerações porque não tenho uma visão panorâmica do que está a acontecer. Mas que está a perder todos os dias, está. E a inclusão, verdadeiramente, está muito ameaçada. A nível escolar, a nível artístico, dentro do que é a instituição.”

Segundo Ester Vieira, uma média de quase 90 utentes frequentavam as diferentes expressões. Até já foram mais, mas todos os anos com as mudanças o número foi caindo. No ano passado só ficou o teatro, que esteve em exercício até julho, em palco até março. “Eu fiquei a trabalhar até julho com o grupo e depois comecei a perceber que de facto ainda não havia um cabimento, decisões ou enquadramento que permitisse de facto que as coisas continuassem, ou que houvesse promessas de continuar”.

No mundo do ‘não sabemos’ e do provavelmente’, Ester Vieira optou por tomar as rédeas. Como também faz parte da direção do TEF, pediu mobilização para a associação, de onde ia sair um elemento. “Comprometi-me de certa forma, um bocado eticamente, a levar comigo o espólio do que restou que é o teatro inclusivo”. Dessa mudança nasceu já o ‘Quasímodo - O Corcunda’ e outros projetos vão surgir até ao final deste ano.

Fonte DNotícias por indicação de Livresco

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