sábado, 29 de abril de 2017

Dança, Diana, dança

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Há três anos, a bailarina Diana Bastos Niepce caiu de um trapézio enquanto ensaiava para um espetáculo de dança e partiu o pescoço. Os médicos disseram-lhe que ficaria tetraplégica. Hoje, Dia Mundial da Dança, leva ao palco do Cineteatro Caracas, em Oliveira de Azeméis, um espetáculo que, na verdade, é sobre a sua metamorfose. «Dançar é a única coisa que sei fazer na vida.»

Neste espetáculo há cadeiras de rodas. E há andarilhos e há muletas. Há bailarinos profissionais e outros que têm limitações, mas ninguém disse que uma deficiência não podia ser uma arma para dançar mais, até para dançar melhor. Este espetáculo chama-se Morfme e a história da mulher que o encena – Diana Bastos Niepce – é de facto a de uma metamorfose.

Hoje, Dia Mundial da Dança, Diana leva a sua cadeira de rodas, o seu andarilho e mais uma mão cheia de bailarinos ao palco do Cineteatro Caracas, em Oliveira de Azeméis. Se a dança é do mundo inteiro, hoje o mundo é de Diana.

O dia 20 de março de 2014 mudou-lhe a vida por completo. «Estava no ensaio de um espetáculo da Companhia Armazém 13, que misturava dança contemporânea com novo circo, quando dei uma cambalhota e tentei ficar presa com os pés à corda.» O aparelho estava bastante baixo, a dois metros de altura, e quando os pés lhe escaparam caiu de pescoço no chão. «Se estivesse mais alta podia ter dado a volta, aterrar de outra forma. Mas ouvi um crac e percebi imediatamente o que tinha acontecido. Senti-me a abandonar o corpo e por isso fiz um grande esforço para me manter acordada. Era a maneira de não deixar que a morte me levasse.»

No hospital de Santa Maria, em Lisboa, explicou que não sentia pernas nem braços – e o diagnóstico foi tremendo: «Disseram-me que ia ficar tetraplégica, em estado vegetativo, para o resto da minha vida. No dia seguinte, a televisão passava um espetáculo de dança com alguns bailarinos em cadeiras de rodas e eu pensei que aquela ia ser a minha vida. Eu não sei fazer mais nada. Só sei dançar.»

Os passos em volta

Desde os quatro anos que tinha aulas de ballet, muito por culpa de um desajustamento nas ancas que importava corrigir. A dança, com os anos, foi-se tornando tudo. Em 2008, terminou o curso na Escola Superior de Dança (ESD), no Instituto Politécnico de Lisboa, determinada a vingar num mundo com cada vez menos vagas. Integrou a Companhia Armazém 13. «Sempre gostei de testar coisas novas e o circo era uma coisa que queria fazer».

Depois do acidente não desesperou. «Estive sempre muito acompanhada. O problema é que, ao fim de quatro meses, os meus amigos voltaram às suas vidas e já não podiam aparecer tanto. Estava muito apaixonada e o namoro terminou nessa altura. Foram os dias piores.» Deitada na cama não podia fazer muito mais do que ler. Mas um dia conseguiu mexer um polegar, e isso foi o anúncio da luta que estava para vir.

«Quando ficas assim é como se o teu corpo deixasse de ser teu. És transportada por outros, lavada por outros, alimentada por outros. Já não és tu, já não tens autonomia.» Mas aquele polegar era um sinal de esperança. E depois, com dias inteiros de fisioterapia, recuperou a força dos braços. «Em dezembro de 2014 consegui dar um passo de andarilho, foi uma vitória inacreditável. Disseram-me que ia ficar para o resto da minha vida numa cama e afinal as coisas não foram bem assim. Tive muita sorte. Tanta, tanta sorte.»

«Eu só sei dançar»

«Se eu tivesse de resumir a Diana numa palavra seria determinação», diz Cristina Passos, que coordena a Casa das Artes da Fundação LIGA. É aqui que funciona, desde 1995, a Companhia Plural, um projeto de dança integrativa que reúne intérpretes com e sem deficiência. De há uns anos para cá, têm tido uma colaboração estreita com a Escola Superior de Dança. «A Diana reúne estes dois mundos. Costumamos convidar alunos da ESD para criarem projetos e fazia todo o sentido que agora fosse a vez dela.» A peça Mofme tem assinatura de Diana, a meias com Vítor Almeida Bobetic.

Desde aquele passo em dezembro de 2014, passa três horas por dia na fisioterapia e sente-se cada vez mais forte. «O caminho vai ser longo», diz Diana, «Mas tu atrais aquilo que procuras. E eu, que quero dançar, tinha de fazer isto.»

Decidiu então integrar a Companhia CIM, de dança inclusiva. A Companhia Nacional de Bailado convidou-a a escrever um livro infantil, ela pôs-se a escrever outro sobre a sua experiência de vida (e procura agora uma editora que o publique). Fez outro espetáculo com a sua antiga companhia, a Armazém 13. Lentamente, Diana começou a regressar ao mundo da dança.

Em abril do ano passado, esteve no Maria Matos a convite de um nome forte da coreografia – Jérôme Bel – para integrar o elenco do espetáculo Gala. Depois, em setembro, veio o convite da Fundação LIGA e da ESD. Organizou um workshop de dança inclusiva que também serviu de casting para Morfme e escolheu dois bailarinos notáveis: Margarida Sousa e Frederico Augusto. Ela tem paralisia cerebral, ele síndroma de Asperger, mas em cena o que poderíamos pensar serem limitações são afinal armas de espetáculo. O elenco conta ainda com duas bailarinas, finalistas da ESD: Ekaterina Inna, de origem moldava, e Raquel Madeira.

Hoje, no palco do cineteatro Caracas, em Oliveira de Azeméis, vários corpos vão dançar pela integração. E tudo porque há uma rapariga de 31 anos chamada Diana Bastos Niepce que aprendeu a transformar as limitações em vantagens, e as fraquezas em forças. Se hoje a dança é do mundo inteiro, então o mundo é hoje todo de Diana. Dança, Diana, dança.

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