segunda-feira, 28 de agosto de 2017

“Gostava que a musicoterapia fosse reconhecida de uma vez por todas”

Apesar de a técnica não estar ainda reconhecida, Helena Brites – de 41 anos, com três filhos e mestre em Musicoterapia – revela os benefícios da técnica e que aplica a crianças, adultos e a idosos.

E a lista dos benefícios é vasta. “Em crianças com problemas de desenvolvimento e patologias específicas, síndrome de Down”, exemplifica. Mas há mais: “Asperger, autismo, problemas motores e da linguagem, adultos portadores de deficiência, vítimas de acidentes vasculares cerebrais ou com perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico”. Tudo isto sem esquecer os “idosos que apresentem estados de demência sobretudo relacionados pelas doenças de Parkinson e Alzheimer, cuidados paliativos e estados terminais“.

A Sociedade Artística Musical dos Pousos (SAMP) foi recentemente galardoada pela Gulbenkian com o prémio coesão. O que significa para a instituição e para o trabalho que desenvolvem e que foi agora reconhecido?

Este prémio estimula-nos para continuarmos a acreditar no trabalho que desenvolvemos bem como nos dá a consciência da importância que ele representa para a sociedade.

As atividades podem ser intensificadas? Podem ser alargadas?

Neste momento, todas as atividades promovidas abrangem os públicos-alvo que entendemos prioritários: bebés, crianças portadoras de deficiência, famílias, adultos em contexto terapêutico, hospitalar, comunitário ou privados de liberdade, seniores estados terminais. Reconhecemos deste modo que abrangemos todo o ciclo de vida desde o nascimento à morte.

Há uma maior procura de elementos externos face ao vosso modelo?

A SAMP tem uma filosofia própria e inédita de intervenção inspirada. No entanto, existem em alguns modelos de contexto internacional com os quais fomos refletindo e desenvolvendo trabalho conjunto. Neste momento, a SAMP tem igualmente um reconhecimento internacional, sendo já a sua formação solicitada por diversos países, nomeadamente Espanha.

Não deixa de ser curiosa a evolução desta estrutura, que começou, como tantas em Portugal, por ser uma sociedade filarmónica. A nível local, a aposta das filarmónicas neste tipo de atividades podia ser um caminho? Quais as possibilidades e quais os obstáculos?

Cada projeto exprime o seu grau de importância pelo facto de ser criado e implementado de forma original por uma instituição. Neste sentido, cada filarmónica deve ter a sua própria metodologia e não se limitar a replicar projetos já existentes. Importa referir que todos os programas implementados pela SAMP tiveram longos momentos de reflexão antes de serem implementados com sucesso. Neste momento, só avançamos para o terreno quando temos a certeza que todos os envolvidos reconhecem como fundamental e essencial o trabalho que desenvolvemos.

No que diz respeito a musicoterapia. Em que consiste?

Consiste na utilização dos elementos que constituem a música: ritmo, melodia, dinâmica, como potenciais detentores de poder terapêutico e de reabilitação do ser humano nas suas diversas dimensões motoras, emocionais, afetivas e cognitivas, conferindo-lhe uma maior organização inter e intrapessoal. O poder que confere à música tais potencialidades é o facto de ela acionar as mais diversas áreas constituintes do cérebro humano que, como sabemos, comanda todo o ser humano.

Há quanto tempo é musicoterapeuta? E que benefícios pode trazer e a quem?

Sou musicoterapeuta há cinco anos e os benefícios são extensíveis a todo o ciclo de vida, desde o ventre materno até aos estados terminais em contexto de prevenção, manutenção ou reabilitação de diferentes populações fragilizadas com diversos problemas.

A terapêutica pode curar? Reabilitar? A que nível e em que percentagens?

Pode curar e reabilitar. Há muitos e diversos estudos que comprovam resultados concretos do poder terapêutico da música. Dependendo de cada caso específico, a música pode prevenir, manter capacidades ou “curar” problemas vários. As percentagens concretas só podem ser aferidas no contexto dos públicos-alvo a que se destina a musicoterapia.

Para que tipo de doenças ou patologias é a musicoterapia mais indicada?

Todo o ciclo de vida, desde o nascimento à morte: crianças com problemas de desenvolvimento e patologias específicas, síndrome de Down, dificuldades e défices cognitivos, epilepsia, Asperger, autismo, problemas motores e da linguagem, adultos portadores de deficiência, vítimas de acidentes vasculares cerebrais ou com perturbações do foro psicológico ou psiquiátrico, idosos que apresentem estados de demência sobretudo relacionados pelas doenças de Parkinson e Alzheimer, cuidados paliativos e estados terminais.

Que casos concretos a impressionaram mais?

Vários: intervir no contexto neonatal com bebés prematuros e respetivas famílias, acompanhar até à morte crianças em contexto de internamento e deficientes profundos. Acompanhar o público sénior acamado é igualmente muito sensibilizador dado que, muitas vezes, nos estados terminais, se encontram presos dentro de um corpo que já muito dificilmente transmite sinais explícitos de comunicação. Mas, muitas vezes mediados pela música, têm resultados impressionantes. Por questões de caráter ético e confidencial não vou particularizar situações específicas.

É uma atividade que pode beneficiar de subvenções, de apoios?

Obviamente que pode beneficiar de apoios que nem sempre são diretamente proporcionais aos esforços desenvolvidos mas que estão sobretudo dependentes da sensibilidade de quem tem poder de decisão.

Qual o tipo de relação que este tipo de técnica tem com a saúde ou educação? E que tipo de apoio local? Regional? Nacional? Ou governamental?

Tem uma ligação muito direta quer com a saúde, quer com a educação. No âmbito da saúde, liga-se essencialmente ao contexto hospitalar ou ao contexto de gabinete ou consultório. Na educação, podemos trabalhar com alunos detentores de necessidades educativas especiais.

Em que fases de encontram?

Neste momento, a inclusão desta terapia quer num, quer noutro contexto é cada vez mais evidente, mas ainda assim muitos esforços terão que ser desenvolvidos para que ganhe ainda maior reconhecimento. Só dessa forma poderá dar maior capacidade de resposta e chegar, de uma forma mais ampla, a uma maior diversidade de indivíduos. Em alguns países, é já reconhecida como uma terapia essencial, como acontece à semelhança da psicologia e das terapias de reabilitação em Portugal.

O que está a ser feito nesse sentido?

Na Assembleia de República têm sido apresentadas propostas para o reconhecimento da musicoterapia como uma profissão. Esforço esse que tem sido liderado essencialmente pela Associação Portuguesa de Musicoterapia, apoiada pelos profissionais já habilitados para o exercício desta profissão e que, neste momento, ultrapassa já algumas dezenas.

O que gostava que pudesse ser feito?

Gostava que esta profissão fosse reconhecida de uma vez por todas, com a consequente abertura de concursos públicos, com vista à colocação de profissionais nesta área nos contextos em que fosse reconhecida a sua aplicação.

Como começou a sua relação com a SAMP?

Começou, inicialmente, por ser uma relação de mãe, pois integrei o projeto Berço das Artes – programa destinado ao desenvolvimento da musicalidade e sentido estético e artístico para a primeira infância – com os meus filhos, em tenra idade. Posteriormente, apaixonei-me não só por esse projeto, como também pelos pertencentes ao Núcleo Saúde com Arte SAMP (conjunto de profissionais que desenvolvem trabalho de âmbito musical, artístico e terapêutico com públicos-alvo desfavorecidos), desenvolvendo as minhas competências profissionais e integrando, atualmente, o referido núcleo na qualidade de musicoterapeuta.

Fonte: Delas por indicação de Livresco

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