segunda-feira, 4 de setembro de 2017

No novo ano lectivo as escolas vão ser mais diferentes umas das outras

O novo ano letivo começa oficialmente na próxima sexta-feira e há, desde já, uma certeza: as escolas vão ser mais diferentes umas das outras. Os projectos de flexibilidade curricular, introduzidos pelo Ministério da Educação como uma experiência pedagógica, entram em funcionamento. E vão ser usados de forma muito diversa pelos professores. Ainda que a generalidade das direcções escolares que entram na experiência tenha optado por aplicar a mudança a todos os alunos de início de ciclo, há casos em que serão constituídas “turmas de teste” para esta estratégia e há até quem vá ter disciplinas semestrais, à semelhança do que acontece no ensino superior.

A flexibilidade curricular permite, entre outras medidas, que as escolas façam a sua própria gestão de até 25% da carga horária letiva. Ao longo da última semana, o PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235 escolas e agrupamentos envolvidos no projeto. Na generalidade dos casos (74% das escolas contactadas), os diretores apostaram em aplicar as mudanças a todas as turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos), que são aqueles em que legalmente é possível usar os mecanismos de flexibilização. Nos restantes casos (8 escolas) é feito algum tipo de seleção, limitando o número de turmas e alunos envolvidos.

Mas mesmo nos estabelecimentos de ensino que optaram por aplicar este projeto a todos os estudantes, a forma como o mesmo será efetivado é muito variável. O retrato que é possível traçar é, por isso, bastante diversificado.

Várias escolas assumem a dimensão de experiência da novidade introduzida este ano. É o caso do Agrupamento de Pedome, em Vila Nova de Famalicão, que optou por aplicar a medida a duas das suas cinco turmas do 5.º ano. A flexibilidade curricular vai ser testada numa turma com “condições para poder ter bons resultados e sucesso educativo de qualidade”. A outra turma “poderá não vir a apresentar um desempenho escolar e um sucesso de tanta qualidade”, assume o diretor Fernando Manuel Lopes. A intenção da escola é que, com “dados de partida diferenciados”, possa documentar o impacto do projeto nas aprendizagens.

A experiência da Escola Secundária Alberto Sampaio, em Braga, passa por reforçar o número de horas destinadas ao diretor de turma em apenas uma turma do 7.º ano. A intenção é semelhante: “Vamos querer ver a diferença que essa alteração possa provocar”, explica o diretor, João Andrade.

Convencer os professores

A escolha do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, teve outra motivação: os resultados dos alunos. A direção optou por deixar de fora da flexibilidade curricular todos os alunos do 5.º e 7.º anos e também a generalidade dos do 1.º ciclo. Com uma única excepção: a escola EB1 do Arrabalde.

Esta é uma escola pequena — tem 60 alunos e apenas três turmas, já que funciona uma turma mista de 2.º e 4.º anos — que nos últimos anos tem tido maus resultados escolares. A direção do agrupamento viu na flexibilidade curricular uma possibilidade para inverter essa tendência: “O objetivo desde modelo é ser promotor do sucesso escolar e é nesse sentido que vamos avançar com ele”, explica a diretora, Madalena Costa.

Há, porém, outros motivos práticos e não pedagógicos a condicionar as opções das escolas contactadas. Por exemplo, o Agrupamento de Escolas da Senhora da Hora, em Matosinhos, aplicará o projeto em apenas duas de seis turmas do 7.º ano, dada a falta de disponibilidade demonstrada pela maioria dos professores para trabalharem no novo modelo.

O caso mais extremo será, porém, o do Agrupamento de Escolas Grão Vasco, em Viseu. A diretora, Inês Campos, é uma entusiasta da flexibilidade curricular — “é um projeto muito válido e estou certa que trará resultados muito positivos” —, mas não encontrou a mesma abertura nos professores do estabelecimento de ensino. Por isso, apesar de estar na lista inicial do Ministério da Educação, não vai integrar esta experiência pedagógica no novo ano letivo.

A flexibilidade curricular vai ser testada em cerca de 20% dos estabelecimentos de ensino. Há escolas que estão ainda a fechar o processo de constituição de turmas e de definição dos moldes de funcionamento dos projetos, pelo que o número total de turmas envolvidas neste primeiro ano letivo de experiência pedagógica ainda não está fechado. Ao que o PÚBLICO apurou esse número deverá rondar as 2000 turmas.

A aposta dos privados

Das 235 escolas envolvidas, 170 são públicas, às quais se juntam quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Outras 61 do ensino privado vão também fazer parte da experiência, o que levou a Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) a criar um grupo de trabalho para que os seus associados possam “partilhar ideias uns com os outros”, explica o diretor-geral da associação dos colégios, Rodrigo Queiroz e Melo.

Um desses casos é o do Grupo Ensinus que tem sete instituições diferentes envolvidas no projeto de flexibilidade curricular, entre os quais o Real Colégio de Portugal, o Colégio de Alfragide e o Externato Álvares Cabral. Aí serão criadas novas disciplinas como o Laboratório de Empreendedorismo e Educação Financeira ou Técnicas Laboratoriais de Física e Química e, na Matemática, passará a ser aplicado o método usado em Singapura — que tem por base a compreensão dos conceitos antes de se ensinar procedimentos, utilizando uma abordagem visual e prática.

A “grande alteração” que a experiência pedagógica implicará, porém, tem a ver com o professor, considera Teresa Damásio, administradora do Ensinus. “Vai ter obrigatoriamente de alterar a sua metodologia de ensino e permitir maior interdisciplinaridade”, defende.

Para preparar os docentes para essa alteração, o grupo contratou o especialista em mudanças educativas, Javier Aragay, para uma assessoria de três anos, em que dará tutorias mensais aos professores das várias áreas.

Outra das mudanças que vão ser aplicadas nos colégios do Grupo Ensinus é a passagem de algumas disciplinas para um regime semestral. Por exemplo, no 7.º ano os alunos passarão a ter quatro tempos semanais de Geografia na primeira metade do ano letivo. Esses blocos nos horários são substituídos, no segundo semestre, por aulas de História.

A opção do Ensinus cruza-se com uma discussão que começa a ganhar força no setor: a possibilidade de o ano letivo passar a ser organizado em dois semestres em lugar dos atuais três períodos. O Agrupamento de Escolas de Freixo, em Ponte de Lima, apresentou o seu próprio calendário escolar para 2017/18, dividido em dois semestres. O primeiro semestre começa a 13 de setembro — como a generalidade das escolas, ainda que formalmente o ano letivo comece na próxima sexta-feira, dia 8 — e prolonga-se até 2 de fevereiro. O segundo estende-se entre 14 de fevereiro e 19 de junho. Os alunos mantêm dez dias de férias na altura do Natal e uma semana no Carnaval e Páscoa.

Esta possibilidade não foi aberta pelo projeto de flexibilidade curricular, mas pelo facto de a escola integrar os Projetos-Piloto de Inovação Pedagógica, destinado a um grupo mais restrito de estabelecimentos de ensino, e que reforça a sua autonomia caso adoptem projetos educativos diferenciadores.

O presidente Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, tem sido um dos defensores desta solução. De resto, pretendia fazer o mesmo na escola que dirige, a Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, mas a possibilidade foi negada pelo Governo. Ainda assim, dentro das possibilidades que a flexibilidade curricular prevê, na sua escola haverá também algumas disciplinas semestrais.

A mudança para um calendário lectivo semestral teria “vantagens evidentes”, defende Filinto Lima. Por um lado, tornaria os dois períodos letivo equivalentes, acabando com um velho problema de um 3.º período muitas vezes excessivamente curto. Por outro, promoverá o sucesso e terá efeitos positivos na disciplina, acredita: “Hoje em dia, há muitos alunos que chegam ao 3.º período com o destino traçado. Como o tempo é curto sabem que já dificilmente passam ou dificilmente chumbam.”

Fonte: Público

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