segunda-feira, 11 de setembro de 2017

REMODELAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 3/2008, DE 7 DE JANEIRO

Ocupo-me hoje sobre o segundo ponto que me levanta dúvidas sobre o preceituado no “Regime Legal para a Inclusão Escolar” (RLIE), documento emanado do Ministério da Educação destinado a substituir o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, em discussão pública até 30 de setembro de 2017.
2.º PONTO EM ANÁLISE: CATEGORIZAÇÃO
Na “Alteração ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro – Versão para consulta pública” lê-se no seu preâmbulo que se afasta “a concessão de que é necessário categorizar para intervir”[1]. Ora é precisamente esta afirmação que me leva hoje ao 2.º ponto da análise que me propus fazer sobre o documento citado acima.
Como é sabido, em educação, continua a ser muito atual a discussão sobre as vantagens (Ex.: A categorização promove a consciencialização e consequente compreensão da singularidade das dificuldades de um aluno; A categorização leva à intervenção, abrindo portas aos recursos; A categorização reduz ambiguidades, promovendo uma profícua troca de informações entre profissionais de educação e pais; A categorização abre caminho à investigação, ao diálogo entre profissionais de educação e pais no que concerne ao conhecimento sobre diferentes tipos de necessidades educativas especiais/NEE e, ainda, no que respeita à seleção das melhores práticas educativas – estratégias, atividades – para a promoção de sucesso para os alunos com NEE) e desvantagens (Ex.: A categorização pode alterar as expectativas dos professores – comportamentos que esperam que os seus alunos exibam; A categorização pode estimular comportamentos de bulling; A categorização pode fazer baixar a auto estima do aluno) da classificação e consequente categorização no que respeita aos alunos com necessidades especiais.
Por classificação, numa Escola, pode-se considerar o conjunto de alunos sem e com necessidades especiais (NE) cuja subclassificação considera os alunos em risco, os sobredotados e os com NEE. Ao ocuparmo-nos dos alunos com NEE, verificamos que existem pelo menos 13 tipos de situações (categorização) a que importa dar atenção (autismo, surdez, dificuldades intelectuais, perturbações emocionais e do comportamento, dificuldades de aprendizagem específicas, de entre outras).
Tendo por base o que ficou dito acima, verificamos que as vantagens da classificação se prendem com critérios científicos, pedagógicos e sociais (interação entre profissionais de educação, alunos sem e com NEE e pais), ao passo que as desvantagens se prendem com critérios mais do foro da formação/educação cívica (expectativas, preconceitos, bulling, discriminação, que podem afetar a autoestima dos alunos com NEE), levando-me a concluir que ao desconsiderarmos as vantagens estamos a pôr em causa a educação (de qualidade) das crianças e adolescentes com NEE. Quanto às desvantagens, quase todas associadas à forma como nos comportamos perante a diferença, a questão torna-se muito mais uma questão de sensibilização e de educação do que uma questão cientifico-pedagógica, pelo que não será curial desconsiderar a categorização.
Ao eliminarmos a categorização, afirmando que “não será necessária para intervir”, com pretextos, a meu ver neoliberais, estamos, como afirmei, a impedir encontrar uma plataforma comum entre investigadores, profissionais e pais que leve ao entabular de diálogos e experiências que permitam a troca de saberes sobre as particularidades dos vários tipos de NEE e a proposta de práticas educativas promotoras de sucesso. Até porque, como vimos, as desvantagens prendem-se muito mais com fatores que se inserem na esfera da educação (formação) cívica. Deste modo, será que, caso um aluno (ou qualquer outro indivíduo) se dirija a um outro, apelidando-o de “gordo”, “burro”, ou qualquer outro termo injurioso, estes termos devam ser retirados do nosso léxico? Claro que não! O que é preciso, também no caso das desvantagens da categorização de alunos com NEE, é que a preocupação recaia na educação/formação cívica de quem assume tais comportamentos.
Numa palavra, e concordando com tantos e tantos investigadores, académicos, professores, demais profissionais de educação e pais, será de certa forma ilógico falar acerca das capacidades e necessidades especiais dos alunos sem se perceber as suas características específicas (atípicas), a não ser que pretendamos ignorá-las. Assim sendo, a categorização desde que seja apropriada, compreendida e respeitada, transporta consigo um conjunto de informação importante que nos permite elaborar intervenções eficazes e, até, poderá ajudar a reduzir o estigma que tantas vezes acompanha o aluno com NEE.
Luís de Miranda Correia
Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho
[1] É interessante notar-se que nem o próprio documento alvo de discussão pública consegue fugir à categorização (Algures no seu preceituado usa termos como “domínio da visão”; “surdez”; “dislexia”).

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