segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Falar “à bebé” é uma linguagem universal

Imagine que está a falar com um adulto e depois aparece outra pessoa com um bebé. Quando se dirige ao bebé, o seu discurso muda logo. O tom da voz torna-se exagerado, utiliza palavras mais pequenas e prolongadas e diz frases repetitivas que todos conhecemos. Está a falar “à bebé”. Foram estas conversas com os mais pequenos que cientistas dos Estados Unidos observaram em diferentes mães e em várias línguas. Concluíram que o timbre da voz muda sempre de forma muito específica, independentemente do tipo de voz da pessoa ou da língua que fala, segundo um artigo científico publicado na edição desta semana da revista Current Biology.

O grande objetivo de Elise Piazza e da sua equipa do Laboratório do Bebé (Baby Lab), da Universidade de Princeton (Estados Unidos), é perceber como as crianças aprendem a falar e adquirem a linguagem verbal logo desde muito novas. Agora, dentro desse grande trabalho, estudaram a forma como as mães ajustam a sua voz quando falam com o seu bebé.

Falar “à bebé” é algo que já tem vindo a ser estudado em várias línguas e culturas. “Sabemos há muito tempo que os adultos mudam a forma como falam quando se dirigem aos bebés”, refere Jenny Saffran, psicóloga da Universidade de Wisconsin-Madison (Estados Unidos) e que não está envolvida no trabalho, num comunicado da Universidade de Princeton.

Tendo isso em conta, no recente trabalho os cientistas norte-americanos usaram um computador para diferenciar o discurso quando um adulto fala com outro adulto e quando fala com um bebé. Este computador tinha um sistema de aprendizagem computacional (machine learning, em inglês), que diferenciava o falar “à bebé” do falar dos adultos em apenas um segundo de gravação de voz.

Foi sobretudo utilizado como indicador o timbre. E porquê? O timbre é a característica do som que permite distinguir uma voz (ou instrumento), mesmo quando as notas têm a mesma altura (frequência dos sons). Ou seja, deve-se à forma como o som é produzido. E é através dele que conseguimos diferenciar vozes aveludadas como a do cantor norte-americano Barry White (1944-2003) ou a mais arranhada do também cantor norte-americano Tom Waits. Os dois têm timbres diferentes, mesmo quando cantam na mesma nota, indica o comunicado. “O timbre é definido como a qualidade única do som”, classifica Elise Piazza.

Para perceberem as diferenças do timbre, os cientistas começaram por gravar o discurso de 12 mães que falavam em inglês com os seus filhos entre os sete e 12 meses. Gravaram também essas mães a conversarem com outro adulto. Aí o computador detetou logo a diferença entre o discurso para os bebés e o discurso para os adultos.

Depois, utilizaram gravações de outras 12 mães que falavam nove línguas diferentes: espanhol, russo, polaco, húngaro, alemão, francês, hebraico, mandarim e cantonês. A equipa concluiu que a mudança de timbre observada nas mães que falavam inglês era “altamente consistente” com a das mães que conversavam noutras línguas. Ou seja, falar “à bebé” é uma linguagem universal. “É tão consistente entre todas as mães”, diz Elise Piazza no comunicado. “Elas usam o mesmo tipo de mudança [na voz] para passaram de um modo [de falar] para o outro.”

E os pais?

“Este é o primeiro estudo que questiona se [as mães] também mudam o timbre da sua voz, utilizando o tipo de características que diferencia os instrumentos musicais uns dos outros [como o timbre]”, realça por sua vez Jenny Saffran. “Isto é fascinante porque, claramente, os falantes não estão conscientes da mudança do timbre. Este novo estudo mostra que isso é uma característica altamente sólida na fala com os bebés.”

No futuro, a equipa vai continuar a estudar a forma como a mudança do timbre ajuda as crianças na sua aprendizagem, bem como o timbre noutros tipos de fala como a política ou a romântica. E se este trabalho só contemplou as mães, os homens também não estão esquecidos e o próximo passo será analisar o seu timbre e de outras pessoas que cuidam dos bebés. “Imagine uma orquestra inteira simultaneamente a tocar no mesmo tom e afinação”, exemplifica Elise Piazza sobre o falar “à bebé”. Essa orquestra da aprendizagem do bebé está agora a ser investigada.

Fonte: Público

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